ARGUMENTOS DE BELARMINO SOBRE O PODER TEMPORAL DO SUMO PONTÍFICE:
- Publicado em 06/07/2017
- Por Diogo Rafael Moreira
Aqueles que negavam o poder temporal do Papa nos tempos de Belarmino propunham em seu lugar a tese do direito divino dos reis. Segundo essa ideia, o rei receberia sua autoridade diretamente de Cristo e teria plenos poderes sobre o seu reino. Como se viu no verbete sobre a autoridade civil, hoje não há muitas pessoas dispostas a endossá-la e já está bem claro que a novidade não era a doutrina do poder temporal do Papa, mas sim essa mesma doutrina do direito divino dos reis, que é uma das ideias características do pensamento anticatólico do século XVI e XVII.
A ideia é ultrapassada, mas restam vestígios dessa crença tanto na política quanto na historiografia. A noção de que a interferência do Santo Padre em assuntos temporais é uma inovação que começou com Gregório VII é um desses erros que persistem não por serem verdade, mas por serem insultos contra a dignidade do Sumo Pontífice e da Igreja Católica. Eles não nascem do genuíno amor a verdade, mas emanam de corações que amam demais a sua própria opinião e, por isso, odeiam aquela verdade luminosa que não se encontra neles mesmos.
Os seguintes argumentos de Belarmino, alguns tomados a esmo de seu tratado contra Barclay sobre o poder temporal do Papa são exemplos de quão bem fundada e historicamente justificada está a doutrina de que o Papa, por sua dignidade apostólica singular, pode censurar e mesmo depor reis e imperadores cristãos, quando esses oferecem perigo à fé e moral cristã
(ratione pecata).
I. CONTRA O ARQUEOLOGISMO
O fundamento do antipapismo em geral chama-se arqueologismo, acredita-se que somente o que é antigo é bom. A Igreja recente se corrompeu e já não possui autoridade sobre os cristãos. Contra esse argumento fundamental, Belarmino responde que a Igreja de hoje é a mesma de ontem: a doutrina que não foi dita antes não está em contradição com o que agora se ensina sobre o Papa, os Pontífices e doutores posteriores são tão ilustres pela vida e doutrina quanto aqueles dos primeiros séculos. Nas palavras de Belarmino:
Se Barklay faz tanto caso por sete séculos de silêncio, por que não faríamos nós mais pelas palavras e ações dos outros nove séculos? De fato, enquanto os Pontífices e os autores da Igreja dos primeiros tempos não afirmaram que a Sé Apostólica tinha certa autoridade para dispor de assuntos temporais enquanto eles dizem respeito aos espirituais, eles também não o negaram; ao passo que os Pontífices e autores posteriores claramente afirmaram que a Igreja não carece de tal autoridade. Certamente a Igreja é a mesma e as portas do inferno não prevalecerão contra ela: a Igreja dos tempos posteriores não carece de homens que são ilustres por sua doutrina e santidade. Portanto, quem pensa que, o que não tenha sido expressamente dito ou feito na Igreja antiga não é aceitável, pensa muito mal da Igreja de Cristo, pois assim seria como se a Igreja recente cessasse de ser a Igreja, ou faltasse a prerrogativa de explicar, declarar e mesmo instruir e regular o que pertence à fé e à moral cristã.
Bellarmine, Robert. On Temporal and Spiritual Authority (Natural Law Paper). Kindle Edition: Liberty Fund Inc., p. 172.
And finally, to five men called as witnesses by Barclay we would oppose ten councils out of which two were without a doubt general councils. And it is not that we should believe less in councils, especially general ones, because they were more recent. The Church is the same, and the authority of the councils is the same, no matter how old they are; and just as in the Council of Nicaea, three hundred years after our Lord’s advent, the Church was allowed to officially interpret the Scriptures regarding the consubstantiality of the son, especially this: “I and the Father are one,” in the same way the same Church after seven hundred years was allowed to interpret the Scriptures regarding the authority of the Supreme Pontiff, such as this: “Whatsoever thou shalt bind on earth shall be bound in heaven: and whatsoever thou shalt loose on earth shall be loosed in heaven.” And if Barclay wanted to keep his promise on this, the whole quarrel would be finished without a challenge.
Bellarmine, Robert. On Temporal and Spiritual Authority (Natural Law Paper). Kindle Edition: Liberty Fund Inc., p. 210.
I. Observação: Esse argumento de Belarmino favorece a noção de que devemos obedecer ao assim-chamado Papa Francisco, embora ele seja um herege público? Não, porque (1) ele
de fato ensina doutrinas em contradição com a doutrina católica; (2) ele não discorda da Igreja de ontem, mas da Igreja Católica de sempre; (3) ele mesmo odeia o Papado e qualquer coisa que lembre sua dignidade.
II. Observação: O argumento de Belarmino também destrói o falso princípio assumido pelos proponentes do arqueologismo litúrgico a la Jungmann e pelos "teólogos das fontes" (Nova Teologia) a la Ratzinger. Como se sabe, essas ideias são de origem e inspiração protestante.
Leia também:
O Argumento do Papa Mau
II. CONTRA A FALSIFICAÇÃO HISTÓRICA
O terceiro [argumento de Barclay] é posto nessas palavras: "E, de fato, Gregório VII, em parte movido pelo crime público do Imperador Henrique IV e em parte pela afronta pessoal, foi o primeiro [Papa] que abertamente clamou para si mesmo o direito de dar e tomar reinos." Mas dizer que Gregório VII foi o primeiro que clamou para si o direito de dar e tomar reinos é completamente falso! De fato, acima já contamos seis Papas que antes de Gregório VIII fizeram o mesmo, são eles: Gregório I, Gregório II, Zacarias, Leão III, Gregório IV e Adriano II. De fato, Gregório I acrescentou o privilégio mencionado acima com as seguintes palavras: "Mas se qualquer rei, superior etc... que seja deposto de seu ofício." Gregório II privou o Imperador Leão Isauriano das rendas da Itália, como Zonaras, Cedrenus e outros atestam. Zacarias depôs Childeric do seu reino e apontou Pepino para o trono, como os bem antigos anais dos francos atestam, onde lemos: "Dada sua autoridade, {Zacarias] ordenou que Pepino fosse apontado rei." E adiante: "Segundo o decreto do Pontífice Romano, Pepino é chamado rei dos francos." Aimoinus, Einhard, Lambert de Hersfeld, Regino de Prüm, Sigebert, Hermann Contractus, Marianus Scotus, Burchard de Ursperg, Otto de Freising, e Albert Krantz, cujas palavras citamos antes dizem o mesmo. Leo III transferiu o Império Ocidental dos gregos para os francos, o que provamos com o testemunho de historiadores, Pontífices, imperadores e dos próprios príncipes eleitores no primeiro livro do
De translatione imperii.
Gregory IV with his authority rescinded the decree of the Franks by which Louis the Pious was deprived of his empire and restored the empire to Louis, as Marianus Scotus reports in book 3 of his Chronicum, and these are his words: “Louis in Aquis received the queen who was coming to meet him by order of Pope Gregory; and even if Louis’s sons had not only deprived their father of the empire but also taken away from him his wife Judith, nevertheless he got both back at the order of Gregory.” And Paulus Aemilius, in his book 2 of De rebus gestis Francorum, said: “The Council of Bishops was held in Lyon, where the sons of Emperor Louis had gathered, and the empire was taken away from the father, which order was presently annulled by Gregory the Supreme Pontiff.” Last, Adrian II, more than two hundred years before Gregory VII, after learning that the empire of Louis the Younger was being attacked by King Charles the Bald, wrote to Charles a threatening letter, as Aimoinus in book 5, chapter 24, attests with these words: “The Pope’s letters said that no mortal should invade, disturb, or attempt to conquer the people and kingdom that had been Lothar’s, which were due to Emperor Louis, his spiritual son, by hereditary law, and which came to him after Lothar’s death. If anybody should presume to do so, he would not only be disqualified from performing his office, but he would also be placed entirely in the hands of the Devil, bound by the chains of anathema, and deprived of the name of Christian.”
Bellarmine, Robert. On Temporal and Spiritual Authority (Natural Law Paper) (pp. 181-183). Liberty Fund Inc.. Edição do Kindle.
III. AS CONSEQUÊNCIAS DO PODER TEMPORAL
Muitos dizem que as consequências políticas do poder temporal do Papa são a causa de muito derramamento de sangue e conflitos entre os imperadores e príncipes. A verdade, porém, é o contrário, pois o poder temporal do Papa modera a inclinação que esses possuem à tirania e submete as armas ao bom senso. Se acontece que os tiranos muitas vezes se rebelem contra o Papa, isso não tira a razão desse último e nem mesmo dá menos motivos aos bons de resistirem aos maus.
4. The fourth is in the following words: “Truthfully, Gregory did not accomplish anything from that fact but bloody and wild tragedies, and he failed miserably because he was stopped by obstinate force of arms.” That this is false is very well known, for not Gregory’s decree but Henry’s disobedience gave birth to bloody and wild tragedies. What Gregory especially desired, that is, to snatch from the hands of the laity the investitures of bishops, he accomplished entirely, partly by himself and partly through his successors, since all his successors, Victor III, Urban II, Paschal II, Gelasius II, and Callistus II, in whose time peace between the clergy and the kingdom was achieved when the emperors submitted, confirmed Gregory’s sentence and decree. In fact, Burchard of Ursperg in his chronicle for the year 1122 writes thus: “He, in whose hands is the heart of the king, bent every animosity of the emperor under obedience to apostolic reverence for the sake of Mother Church and beyond the hopes of many, etc.” See the whole passage.
Bellarmine, Robert. On Temporal and Spiritual Authority (Natural Law Paper) (p. 183). Liberty Fund Inc.. Edição do Kindle.
I will briefly explain what we mean by the expressions “directly” and “indirectly,” and who is the author of those expressions. Thus, by the expressions “directly” and “indirectly” we do not mean, as some say sarcastically, that the Pontiff has the spiritual authority directly, that is, justly and legitimately, while he has the temporal authority indirectly, that is, unjustly and by usurpation. Rather, the pontifical authority is properly and in itself a spiritual authority, and therefore it directly deals with spiritual matters as its primary object. But indirectly, that is, whenever spiritual matters are concerned, by inference and by necessary consequence, as we say, it deals with temporal matters as its secondary object, to which the spiritual authority does not turn unless in the case about which Innocent III speaks in his chapter “Per venerabilem,” where he says: “In other regions, having examined certain causes, we exercise temporal jurisdiction for cause.” In the same way St. Bernard speaks in book 1 of De consideratione, chapter 5 [7]: “But it is one thing to extend into those temporal matters incidentally and for an urgent cause, and another thing to apply oneself further into these, as great and worthy matters.” Also, as author of these expressions we have Innocent IV, a most learned Pontiff, who, explaining chapter “Novit,” section “De feudo,” says that the Pontiff does not judge directly on fiefs, but only indirectly and for reason of sin. Juan de Torquemada, Tommaso Cajetan, Pierre de la Palude, Durandus, Francisco de Vitoria, Domingo de Soto, Martin Ledesma, Jacobus Simancas, Antonius Cordubensis, Navarrus, Luis de Molina, and others use the same distinction.
Bellarmine, Robert. On Temporal and Spiritual Authority (Natural Law Paper) (pp. 185-186). Liberty Fund Inc.. Edição do Kindle.
Entre as páginas 233 e 235, Belarmino demonstra que o Papa Júlio II não deve ser repreendido por ter ido em batalhas, porque além de ser o sucessor do príncipe dos apóstolos, ele também deve zelar pelo patrimônio que pertence à Santa Sé e que dela foi tomado por tiranos. O Papa Júlio em batalha não é o papa lidando com assuntos temporais que dizem respeito aos espirituais, mas ao papa como chefe de Estado e, portanto, como um igual com relação aos outros príncipes. Os nossos críticos querem que os papas recusem as coisas que receberam do povo de livre vontade ao longo de séculos de evangelização, eles querem que os papas entreguem tudo isso nas mãos de pessoas que não só não merecem, mas que abusam delas. Em suma, querem que os papas sejam tão ingratos com o passado como eles são agora com a Igreja. É uma pena que pensem de maneira tão mesquinha.
1 Pedro 2,13-14
O príncipe não reconhece nenhum superior, exceto o príncipe espiritual, isto é, o Papa. O príncipe possui um superior espiritual em matérias temporais e não um superior temporal. É possível ter um casaco preto e não ter um vermelho, é nesse sentido que se diz que o príncipe não está submetido a nenhum outro, exceto ao papa que possui o que ele não possui. p. 237
PRIMEIRO ARGUMENTO DE BELARMINO DEFENDIDO
O fim espiritual é superior ao temporal, porque ele é o fim último. As faculdades são subordinadas do mesmo modo que o fim ()Ética 1, 1). Reis e papas, leigos e sacerdotes são parte de um só corpo. Ora, o espiritual deve subordinar o espiritual. Terceiro, como são um só corpo, uma só cidade, uma só família, o temporal deve ser ordenado pelo espiritual, o qual é responsável pela obtenção do bem maior. p. 246 O Pontífice é o sol, o imperador é a lua. Todos foram instituídos por Deus. O pontífice não depende do imperador, mas o imperador depende do pontífice.
Assim como Maquiavel não foi mais que um profeta desarmado, nós também não estamos em melhor condição. Assim como tomaram armas para levar a cabo o plano de Maquiavel... melhor não dizê-lo assim, Maquiavel mesmo não o fez.