O EVANGELHO DE MAQUIAVEL:
- Publicado em 09/07/2017
- Por Diogo Rafael Moreira
Parsons compara os conselhos de Maquiavel com os ensinamentos de Cristo.
Cristandade, Cristo e O Príncipe de Maquiavel
O Príncipe de Maquiavel é uma crítica a Cristo e seus ensinamentos. Em particular,
O Príncipe ensina seus leitores a abandonarem Cristo como modelo de vida humana e apresenta uma visão de vida humana que rejeita a política cristã como hostil ao progresso e florescimento humano.
Machiavelli’s anti-Christian understanding of politics, human nature, and morality inform this plan, but it is his call for an anti-Christian prince that reveals most clearly his revolutionary vision of the future of Italy, Europe, and the broader world. Hence, The Prince indicates that Machiavelli’s plan entails a rejection— rather than a renewal or renovation— of Christ’s teachings and example. 3 Machiavelli is a radical critic of the Church, the teachings it propagates, and its founder.
Parsons, William B.. Machiavelli's Gospel: The Critique of Christianity in "The Prince" (p. 1). Boydell & Brewer Group Ltd. Edição do Kindle.
O autor insiste no tema menos comum de Maquiavel como professor de maldade em oposição ao cristianismo. Enquanto os humanistas em geral voltam sua atenção para a história e sabedoria dos antigos, Maquiavel parece impressionado com o contraste entre o mundo pré-cristão e o mundo em que ele vivia.
Parsons expõe o contraste feito por Maquiavel entre essas duas épocas da seguinte maneira: a primeira produziu um impressionante número de pensadores e escritores, enquanto a outra possui uma longa história de perseguição a eles; a religião de antes era subordinada à autoridade civil enquanto a nova é universal e indiferente ou esquiva aos poderes terrenos; uma incentivou as virtudes marciais que conduzem à liberdade, ao passo que a outra encorajou uma mansidão que produz a servidão; em suma, uma conduziu ao sucesso, enquanto a outra conduziu ao fracasso. Logo, a sua leitura continua dos antigos conduziu-o ao objetivo de suas obras políticas: ensinar os homens modernos a transformar o mundo em algo que se assemelhe ao mundo pré-cristão.
A crítica de Maquiavel não é convencional, não se trata de um mero anticlericalismo. A crítica feita por ele é muito mais radical: ele não se limita a cristicar os cristãos contemporâneos, mas os ensinamentos de Cristo. Ele rejeita o que é mais essencial ao Cristianismo: o mandamento de imitar a vida de Cristo. Maquiavel ensina seus leitores que o conhecimento e a prática do mal é uma pré-condição necessária para a criação da um bem comum genuíno e tangível. (p. 3)
Parsons então se pergunta: se o conhecimento do mal é uma condição para a virtude, qual é o valor da inocência cristã? Ela pode ser combinada com esse conhecimento do mal ou deve ser tratada como tolice? Esta é a questão que Parsons pretende responder em sua investigação.
Parsons faz uma leitura carnal ou exotérica do Cristianismo.
A literatura sobre o pensamento político de Maquiavel é vastíssima, mas o essencial pode ser encontrado no debate entre a Escola de Chicago e a Escola de Cambridge. Essas duas escolas discordam profundamente sobre as intenções e ensinamentos de Maquiavel e, numa certa medida, não é exagero dizer que todo o estudante contemporâneo que examina o pensamento de Maquiavel se reconhece como devedor de uma dessas duas tradições.
Ambas começam por uma leitura cuidadosa das obras políticas de Maquiavel, mas a primeira, seguindo o método de Leo Strauss, possui a tendência de subordinar as circunstâncias históricas em que Maquiavel vivia à exegese textual, pois considera Maquiavel principalmente no seu diálogo com os autores do passado. Já a última, seguindo os passos de Quentin Skinner, tende a subordinar a exegese textual ao contexto histórico de Maquiavel, pois considera Maquiavel principalmente como autor em diálogo com os seus contemporâneos. Essas escolas também divergem grandemente em suas conclusões: a escola de Chicago entende as obras de Maquiavel como uma tentativa de subverter ou transformar a ordem moral, política e religiosa de seu tempo, ele seria então o baluarte da modernidade. A escola de Cambridge, por outro lado, tende a diminuir a novidade de Maquiavel, encaixando-o na tradição republicanismo que renasceu na Florença de Petrarca (p. 5-6). Aqui no Brasil, a escola de Chicago e Cambridge são bem representadas por Olavo de Carvalho e Newton Bignotto.
O JUÍZO DE MAQUIAVEL SOBRE O CRISTIANISMO
Do debate entre essas duas escolas surgem duas interpretações antagônicas de relação de Maquiavel com o cristianismo. Os estudiosos da Escola de Chicago consideram Maquiavel como antagonista do Cristianismo, segundo eles o plano de Maquiavel é a obliteração do cristianismo operada por todos os meios, seja pela reabilitação do pensamento pagão, seja pelo nacionalismo. A outra interpretação entende Maquiavel como um cristão bastante peculiar, mas ainda assim como um cristão de seu tempo. O seu discurso não diferia grandemente do anticlericalismo reinante da Renascença. Uma versão mais exaltada dessa interpretação assinala que Maquiavel entendia o cristianismo como um apoio fundamental para a virtude cívica.
Seu ataque ao cristianismo, a política cristã e ao próprio Jesus Cristo é a parte mais importante do seu projeto. O seu projeto político-filosófico consiste na rejeição de Jessus Cristo como modelo para os seres humanos.
Parsons, William B.. Machiavelli's Gospel: The Critique of Christianity in "The Prince" (p. 8). Boydell & Brewer Group Ltd. Edição do Kindle.
O ALARME DA CRISTANDADE
Nos primeiros capítulos do Príncipe, Maquiavel se ocupa das seguintes questões: a vida humana deveria se resumir em aquisição? Os homens deveriam lutar para garantir seus interesses em vez de confiar na providencia? A amizade cristã é possível para seres humanos? O que a fé pode conquistar?
Enquanto Cristo encoraja confiança nos outros homens, Maquiavel encoraja duvida e suspeita; enquanto Cristo recomenda esperança, Maquiavel louvará o ceticismo e o cálculo; enquanto Cristo ordena amor e misericórdia, Maquiavel citará o ódio e a revanche como laos mais fortes para comunidades.
Desprezo pelos príncipes hereditários que chegaram ao poder mediante aos favores papais. No sistema de classificação apresentado no capítulo primeiro, Maquiavel não apela a qualquer padrão moral e se mostra indiferente a distinção entre mundo cristão e não cristão, ele classifica os principados pelos diferentes modos de aquisição do mesmo.
Segundo Parsons, Cristo ordena a submissão ao poder temporal, porque os governantes foram estabelecidos por Deus e porque a salvação está próxima. A carta aos romanos não parece disposta a promover revolução terrena, antes se mostra indiferente a questões de caráter político. Cristo pede para que se busque primeiro o reino de Deus, enquanto Maquiavel apregoa o primado do reino terrestre. (p. 17) Apenas os fracassados serão culpados. Cristo, por outro lado, apresenta a mais forte oposição à aquisição: a única parte no Evangelho em que ele usa de violência é contra os trocadores de dinheiro. Cristo ensina que o dinheiro torna a pessoa escrava dele, como se ele fosse seu deus. Ele tira das pessoas o cuidado com as coisas eternas.
Segundo Cristo a amizade deve se estender para todos, mesmo para os nossos inimigos. Maquiavel, porém, acredita que amigo é aquele que ajuda você esperando algo em troca, ou seja, amizade depende do cálculo de benefício. (Ele diminui a noção aristotélica de amizade). Em última análise, amizades duradouras são o fruto de um cálculo mal-feito, ou seja, no autoengano: a ilusão de que o outro irá ser solicito no atendimento de nossos interesses. Aquele que é o amigo de todos será traído, enquanto aquele que deseja conservar a sua vida trairá primeiro. O Salvador entregou a sua vida, ainda que soubesse de antemão e recusou seus discípulos de o defenderem com violência. Ele apresenta o auto-sacrifício como prova de verdadeira amizade, Maquiavel não crê que exista tal coisa ou que ela seja boa.
Portanto, Maquiavel torna a traição coisa legítima e esforça-se para remover o remorso de Judas:
To explain it bluntly: both acknowledge that betrayals like Judas’s will be a regular feature of human life; Christ urges us to show forbearance and to repent, while Machiavelli subtly recommends violent preemptive action. Even more problematically, and as a necessary accompaniment to this unchristian argument, Machiavelli’s teaching on friendship seeks to divest the Judases of the world of their guilty consciences.
Parsons, William B.. Machiavelli's Gospel: The Critique of Christianity in "The Prince" (p. 20). Boydell & Brewer Group Ltd. Edição do Kindle.
Cristo teria sido ingênuo ao chamar seus servos de amigos e contar-lhes tudo o que ele pensava, segundo Maquiavel Cristo jamais deveria ter revelado sua disposição aos discípulos, assim ele não seria traído.
A ciência política de Maquiavel se baseia no temor, ele considera o temor mais forte que o amor nas relações de amizade e na vida da comunidade. Muito embora, Maquiavel mesmo tenha tido boas amizades. A amizade até pode ser boa, desde que se ame mais o amigo que a sua própria alma.
A confiança e residual crença de Luis XII no cristianismo impediu-o de ter sucesso na Itália, enquanto o turco e o romano pagão não tiveram o mesmo problema.
First, as discussed above, the Church’s greatness in Italy is an impediment to the state in a conventional sense: its territorial ambitions thwart those of the French king. Second, and more importantly, the Church’s greatness within France constitutes an impediment to the greatness of the French state. Louis, as a Christian king of a Christian people, is constrained to defer to this greatness in two decisive respects: the appointment of a religious figure and the granting of his annulment. His desire to secure two favorable religious decisions leads him to give the pope an army— a gift no prince would grant to a hostile temporal power. Constrained to display obeisance to a foreign religious power that claims authority within his own state, Louis finds himself at the mercy of that institution. Third, and perhaps most decisively, however, Machiavelli reveals that the greatness of the Church constitutes a subtler, psychological impediment to Louis’s— or any Christian’s— ambitions: its teachings imperil men by exhorting them to exhibit a misguided faith in their fellow man.
Parsons, William B.. Machiavelli's Gospel: The Critique of Christianity in "The Prince" (p. 24). Boydell & Brewer Group Ltd. Edição do Kindle.
Machiavelli encourages us to conclude that the religious authority of the pope is crucial to this deception, and is ultimately responsible for the failure of the most promising attempt to unite Italy by means of external conquest that would occur in Machiavelli’s lifetime.
Parsons, William B.. Machiavelli's Gospel: The Critique of Christianity in "The Prince" (p. 25). Boydell & Brewer Group Ltd. Edição do Kindle.
If the pope’s position resembles that of the Turkish “king,” the rules for a successful conquest are clear enough. A prince ought to eschew conspiracies that require the involvement of the ecclesiastical order, since they are “slaves” who are “boundby obligation” to the pope (P 4). Even if he were to corrupt a wayward cardinal, that cardinal could not bring the people to the conqueror’s side: excommunication would deprive the former of his authority. Instead, the prince must
defeat the Church in an open battle and, once victorious, eliminate the “bloodline” of the pope. Given the succession practices of the Church, this would require ecclesiasticide: the murder of cardinals, archbishops, bishops, and priests— or, indeed, any man who might plausibly claim the right to inherit the throne of Peter. Machiavelli suggests that if this were accomplished, most Christians would slip easily under the yoke of the conqueror, as they are accustomed to the servitude inculcated by Christianity.
Parsons, William B. Machiavelli's Gospel: The Critique of Christianity in "The Prince". Kindle Edition: Boydell & Brewer Group Ltd., 2016, p. 29.