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O DETESTÁVEL ABUSO DA CREMAÇÃO: AOS OLHOS DA FÉ CATÓLICA
  • Publicado em 02/03/2023
  • Por Diogo Rafael Moreira
A IGREJA CATÓLICA E A CREMAÇÃO

Em nenhuma época de sua história a Igreja adotou o rito da cremação para a sepultura dos mortos. Desde sua origem, ela tem consagrado o enterro, empregado pelos povos semitas, por meio de uma prática inviolável; e os primeiros fiéis recolhiam, pondo em risco sua vida, os restos de seus mártires para piedosamente os enterrarem. Cf. Martigny, Dictionnaire, p. 754. 

Os pagãos por vezes chegavam a ter a excessiva crueldade de queimar os corpos dos mártires e lançarem suas cinzas aos ventos ou jogá-las nos rios, não só em ódio da fé cristã, mas também porque assim julgavam impedir a ressurreição dos corpos. Mas os cristãos respondiam, com Minúcio Félix, dizendo que sendo os corpos reduzidos em pó ou em cinzas, Deus conservaria os seus elementos para a ressurreição (Octavius 34 in PL 3, 347) e desta forma se conclui que não tememos o modo de sepultamento, mas aderimos ao costume antigo e melhor de enterrar aos nossos mortos [veterem et meliorem consuetudinem humandi frequentamus] (ibidem, 362).

Dessa absoluta fidelidade que a Igreja sempre testemunhou para com o rito do enterro, temos uma prova impressionante nos primeiros séculos da era cristã, na existência das catacumbas romanas, e pelas idades seguintes, neste magnífico florescimento de catedrais e mosteiros que se desenvolveram, por assim dizer, junto dos cemitérios. A Igreja lutou contra a prática da cremação pagã, que era acompanhada de ritos incompatíveis com a fé cristã, de modo que já pelo século V havia cessado esse costume onde quer que se tivesse firmado o cristianismo.

No entanto, tempos depois, sucedeu que certos cristãos mais ou menos tentaram devolver o rito de cremação à sua antiga honra, ou qualquer outro do mesmo gênero. Mas essa tentativa parcial não durou por muito tempo em face das proibições e penas que os papas levantaram contra elas. Tal parece ser o caso do decretal Detestandae feritatis do Papa Bonifácio VIII, onde este determina que aqueles que fazem aos corpos dos defuntos sofrer um ímpio e cruel tratamento pela ação do fogo, em vez de lhes depositar intactos na sepultura de sua escolha, serão excomungados pela fato mesmo e, além disso, os restos mortais daquele cadáver serão privados de sepultura eclesiástica. 

A ocasião desse decreto foi a prática, introduzida por alguns fiéis, de fazer ferver os cadáveres, sobretudo de pessoas elevadas em dignidade ou de raça nobre, para transportá-las mais comodamente à sua própria sepultura. Mas o Soberano Pontífice quis usar de sua autoridade apostólica de uma maneira geral contra os que, no lugar de lhes dar imediatamente uma sepultura cristã, infligiam um tratamento ímpio e cruel aos corpos dos fiéis defuntos, por exemplo, fazendo-lhes ferver para separar os ossos das carnes, ou tratando-lhes de outra forma similarmente abusiva, como é, sem dúvida, a prática da cremação. 

Foi necessário chegar aos tempos da Revolução em França de 1789 para assistir a uma nova tentativa da parte dos sectários da cremação. Em 1796, apresenta-se um relatório em favor da cremação no Conselho dos Quinhentos, um dos corpos legislativos daquele tempo, o qual, no entanto, quase não teve eco algum, mas onde, assim mesmo, já aparecia um projeto de um campo dedicado a empilhar as cinzas de defuntos que seriam cremados. 

Contudo, somente no último quarto do século XIX que a ideia da cremação toma alguma consistência na Europa, uma vez que as sociedades maçônicas obtém dos governos o reconhecimento oficial de seu rito. É na Itália que se inaugura a campanha. As primeiras experiências foram feitas, em 1872, por Brunetti em Pádua. No mês de abril de 1873, o Senado autoriza as famílias a fazerem uso das práticas de cremação. A primeira cremação toma lugar em Milão, a 22 de janeiro de 1876. Numerosas sociedades se fundaram em Dresden, Zurique, Gota, Londres e Paris, para a propagação da ideia, com a consequente abertura de crematórios por toda a Europa e também na América, principalmente nos Estados Unidos.

A cremação, considerada em si mesma, sem dúvida não contém nada que repugne, de maneira intrínseca, a algum dogma da fé católica, nem sequer o da ressurreição dos corpos, que não se torna – por conta disso - mais difícil à onipotência divina do que na hipótese do enterro. Além disso, não há lei divina que a impeça formalmente. No entanto, ninguém poderá negar que esse rito se encontra em oposição com a prática constantemente adotada pela Igreja desde a sua fundação. Por isso que, em face do crescimento das ideias favoráveis à cremação, patrocinada principalmente pelas seitas, inimigas da fé cristã, a Igreja se pronunciou a esse respeito em três decretos memoráveis, mediante o órgão do Santo Ofício.

No 1.º decreto, de 19 de maio de 1886, são, primeiramente, explicitadas as circunstâncias que levaram o Santo Ofício a tomar uma decisão sobre a cremação. Diante das tentativas feitas por certos homens, especialmente recrutados entre os membros das seitas maçônicas, para restaurar a honra às práticas pagãs de cremação, chegando mesmo a erigir sociedades particulares para esse fim; temendo que as almas se deixassem seduzir por seus artifícios, e assim, pouco a pouco, perdessem o respeito que é devido ao costume cristão de enterro, sempre observado na Igreja e por ela consagrado em seus ritos solenes; um grande número de bispos e fiéis piedosos, a fim de possuir uma regra precisa que os pudesse orientar nesta matéria, apresentou ao Santo Ofício as seguintes dúvidas: 

1.ª É lícito dar o próprio nome a sociedades que se proponham a promover a prática de queimar os corpos dos mortos?
2.ª É permitido deixar mandato de cremação para si ou para outrem? 
Resposta:
À 1ª pergunta, negativamente; e, tratando-se de sociedades afiliadas à seita maçônica, incorre-se nas penas canônicas instauradas contra ela. Quanto à segunda, negativamente.

Essas decisões foram comunicadas a Leão XIII, que as aprovou e confirmou, dando ordem de as comunicar aos Ordinários, para que advertissem os seus fiéis contra o detestável abuso da cremação.

Em 15 de dezembro de 1886, uma nova sanção emanou do Santo Ofício, em virtude da qual devem ser privados de sepultura eclesiástica aqueles que, por sua própria vontade, destinaram seus corpos à cremação, e perseveraram, de maneira certa e notória, até à morte, nesta disposição culposa, qui propria voluntate cremationem elegerunt, et in hac voluntate certo et notorie usque ad mortem perseveraverunt. 

No terceiro decreto, de 27 de julho de 1892, várias questões práticas relativas à cremação foram definitivamente resolvidas pelo Santo Ofício: 

1. É lícito administrar os últimos sacramentos aos fiéis que, sem terem aderido à seita maçônica, nem terem sido inspirados por seus princípios, mas movidos por outras razões, deixaram o mandato de queimar seus corpos após a morte, e se recusam a voltar atrás nesta resolução?

2. É lícito oferecer publicamente o sacrifício da Missa, ou mesmo aplicá-lo secretamente, bem como aceitar, para este efeito, fundos em favor dos fiéis cujos corpos foram queimados, não sem certa culpabilidade de sua parte?

3. É lícito cooperar na cremação de cadáveres, quer por mandato e conselho, quer de forma efetiva, como o fazem os médicos, funcionários públicos e operários ao serviço do forno crematório? Essa operação é lícita pelo menos em caso de certa necessidade, ou quando se trata de evitar algum grande dano?

4. É lícito administrar os sacramentos aos que se prestam a tal cooperação e se recusam a abandoná-la ou afirmam que tal é impossível para eles?

À 1ª pergunta, se, depois de advertidos, recusam esta retratação, negativamente. Para julgar se convém fazer ou omitir uma advertência desse gênero, deve-se seguir as regras dadas pelos autores aprovados, e sobretudo ter-se em conta o motivo de um escândalo a se evitar. 

À 2'ª pergunta, negativamente, para a aplicação pública da Santa Missa; afirmativamente, para a aplicação privada. 

À 3.ª pergunta: nunca é permitida a cooperação formal, a título de mandato ou conselho. Quanto à cooperação material, pode ser tolerada, desde que: 1.º não seja em favor da seita maçônica: 2.° não contenha nada em si mesmo que, direta e exclusivamente, implique a reprovação da doutrina católica e a aprovação da seita; 3.ª se for bastante evidente que os funcionários e empregados católicos, que assim cooperam materialmente na cremação, não tenham sido coagidos ou chamados a este cargo por ódio de sua religião. Além disso, embora em todos esses casos devam ser deixados de boa fé, devem sempre ser advertidos de que não tenham a intenção de cooperar com a cremação. 

À quarta pergunta, foi prevista anteriormente, e deve-se fazer referência ao decreto de quarta-feira, 15 de novembro de 1886.

Como uma síntese geral destas disposições, o Código de Direito Canônico de 1917, produzido e promulgado sob os Papas São Pio X e Bento XV, confirma a doutrina da Igreja Católica a esse respeito. No cânon 1203 declara: 

§1 Os corpos dos fiéis defuntos devem ser sepultados, estando reprovada sua cremação.
§2 Se alguém mandar, de qualquer forma, que seu corpo seja queimado, é ilícito cumprir esta vontade; e se tivesse sido posto em algum contrato, testamento, ou outro qualquer, tenha-se por não posta.

No cânon 1240, §5 determina-se também que fica privado de sepultura eclesiástica e, por conseguinte, das exéquias, os que mandarem cremar o seu cadáver, mesmo que a ordem não tenha sido cumprida, a menos que a pessoa tenha se retratado antes da morte.

Por fim, em 19 de junho de 1926, já sob o Papa Pio XI, o Santo Ofício emite uma Instrução aos Bispos sobre a Cremação. Por tratar-se do último pronunciamento que tenho notícia a esse respeito e sendo bem pouco conhecido, parece-me útil vertê-lo aqui na íntegra,

Uma vez que somos informados de que a prática da cremação está aumentando em certas localidades, em desrespeito às repetidas declarações e decretos da Santa Sé, e a fim de evitar que tão grave abuso se torne inveterado onde se estabeleceu, e se espalhe para outros lugares, esta Suprema Congregação do Santo Ofício considera seu dever chamar a atenção dos Ordinários de todo o mundo novamente, e com mais intensidade, para este assunto, com a aprovação do Santo Padre.

E, em primeiro lugar, visto que não poucos, mesmo entre os católicos, têm a audácia de apresentar como uma das realizações notáveis do que chamam de moderno progresso civil e da ciência da saúde, esta prática bárbara, que é contrária não apenas aos cristãos, mas mesmo ao respeito natural pelos corpos dos falecidos, e totalmente avessa à constante disciplina da Igreja desde os primeiros tempos; esta Sagrada Congregação exorta vivamente aos Pastores do rebanho de Cristo que tenham o cuidado de instruir as pessoas a si confiadas de que os inimigos do Cristianismo estão louvando e propagando a prática da cremação, sem outro propósito que o de remover gradualmente da mente das pessoas o pensamento da morte e a esperança na ressurreição do corpo, e assim abrindo caminho para o materialismo. E, portanto, embora a cremação de corpos, posto que não é má em si mesma, possa ser permitida e de fato é permitida em certas circunstâncias extraordinárias, por graves e certas razões relacionadas com o bem público, é perfeitamente evidente que adotar ou favorecer esta prática regularmente e como regra ordinária, é ímpio e escandaloso, e por isso gravemente pecaminoso, e, por conseguinte, foi justamente condenada mais de uma vez pelos Sumos Pontífices, e mais recentemente foi novamente condenada pelo novo Código de Direito Canônico (cânon 1203, §1).

Segue-se também que, embora de acordo com o decreto de 15 de dezembro de 1886, os ritos e sufrágios da Igreja não sejam proibidos “no caso daqueles cujos corpos são cremados, não a seu pedido, mas a pedido de outras pessoas”, ainda, porque, nos termos expressos do próprio decreto, essa regra só se aplica na medida em que o escândalo possa ser eficazmente impedido pela declaração oportuna de que “a cremação foi decidida, não a pedido do defunto, mas à instância de outros”, está fora de dúvida que a proibição do enterro eclesiástico permanece em pleno vigor mesmo neste caso, se as circunstâncias não oferecerem motivos suficientes para a esperança de que o escândalo seja evitado por tal declaração.

Estão evidentemente muito longe da verdade aqueles que, baseando-se no capcioso motivo de que o defunto em vida praticou habitualmente algum ato religioso, ou que talvez tenha retratado sua má intenção no último momento de sua vida, julgam lícito praticar os ritos fúnebres da Igreja como de costume sobre o corpo, que depois será queimado de acordo com os arranjos feitos pelo próprio falecido. Pois como nada se pode saber ao certo sobre esta suposta retratação, é evidente que nenhuma consideração pode ser dada a ela no foro externo.

Parece quase desnecessário observar que em todos esses casos em que é proibido realizar os ritos fúnebres eclesiásticos do defunto, nem mesmo é permitido honrar suas cinzas com enterro eclesiástico, nem de modo algum conservá-las em um cemitério abençoado; mas devem ser mantidas em um local separado de acordo com o cânon 1212. E se as autoridades civis do lugar, sendo hostis à Igreja, exigirem forçosamente o contrário, que os sacerdotes que estão envolvidos no caso não deixem de resistir a essa violação aberta dos direitos da Igreja com a devida fortaleza e, tendo feito o devido protesto, deixe-os abster-se de toda a cooperação. Então, quando a ocasião se oferecer, não deixem de proclamar, privada e publicamente, a excelência, as vantagens e o sublime significado do enterro eclesiástico, para que os fiéis, bem instruídos quanto à mente da Igreja, possam ser dissuadidos do ímpio prática da cremação….

(AAS18-282. Santo Ofício, Instrução, 19 de junho de 1926.)

OS MODERNISTAS PERMITEM A CREMAÇÃO

Em contraste com a posição da Igreja Católica a esse respeito, o modernista João Paulo II estabeleceu, em seu Código de Direito Canônico de 1983, no cânon 1176, § 3, que: A Igreja recomenda vivamente que se conserve o piedoso costume de sepultar os corpos dos defuntos; mas não proíbe a cremação, a não ser que tenha sido preferida por razões contrárias à doutrina cristã.

Essa nova disciplina apenas ratifica o que já vinha sendo observado desde a Instrução Piam et Constantem de 5 de julho de 1963, publicada pelo então Santo Ofício sob Paulo VI. Note-se que um dos primeiros atos de Paulo VI foi precisamente liberar o que a Igreja reprovou sucessivamente.

MOTIVOS CONTRÁRIOS AO USO DA CREMAÇÃO

Em que se baseia a condenação do uso da cremação? A primeira razão que pode justificar a legislação da Igreja a respeito da cremação é que, na maioria dos casos, ela termina em uma profissão pública de irreligião e materialismo. Mas, mesmo supondo que a cremação não carregue esse selo de irreligião e escândalo, não devemos negar a preferência que se deve dar à prática do enterro, e isso por várias razões:

Primeiro, por uma razão de sentido cristão, e mais ainda, de simples humanidade. De fato, que maneira indigna de tratar este corpo que, em contato com a alma, foi o instrumento de tantas virtudes, este corpo que os sacramentos santificaram e no qual a santíssima Eucaristia depositou uma semente de ressurreição! Por isso a piedade filial, o amor conjugal, o amor fraterno, até mesmo a amizade, terão sempre dificuldade em enfrentar essa destruição apressada e brutal de um corpo que, durante a sua vida, esteve rodeado de tantos cuidados. 

Além disso, vários dos ritos e orações do enterro cristão perderiam o seu significado, tão belos e tão antigos, se fossem aplicados a um defunto, cujo cadáver teria de passar pelo crematório. A Igreja, fiel guardiã das suas cerimônias, tem o direito de as recusar a quem despreza o seu significado profundamente religioso.

Pode-se também alegar uma razão médico-legal que não deixa de ser importante: é que, com a exceção de certos casos de envenenamento, a cremação remove todos os vestígios de morte violenta e torna impossível um exame mais aprofundado do cadáver; enquanto uma autópsia judicial é sempre possível vários meses depois do enterro.

Por fim, a objeção de que os partidários da cremação pretendem tirar das leis de higiene, que parecem vir em prejuízo da prática do sepultamento, não se baseia em nenhum fundamento científico. Com efeito, as conclusões da experiência, aliadas ao testemunho da maioria dos médicos, mostram que “os enterros têm um valor higiênico real e indiscutível”. 

Um modo de destruição de cadáveres que é mais lento, mas menos brutal do que a cremação, o enterro leva a um resultado tão completo e mais em harmonia com o grande princípio físico da matéria. A putrefação normal dos corpos no solo equivale a uma cremação lenta, cujos produtos finais são inofensivos, cujos produtos intermediários não apresentam nenhum perigo grave, nem para as águas, nem para as camadas aéreas circundantes. As águas provenientes de cemitérios não podem, graças ao poder natural de purificação do solo, que se exerce durante a sua passagem pelas camadas geológicas, ser contaminadas pelos produtos químicos da decomposição dos cadáveres ou pela presença de organismos inferiores. A composição da atmosfera das necrópoles é idêntica àquela das cidades de que dependem, e nenhum ar infeccioso pode existir nos cemitérios analisados segundo os princípios da higiene, assim como a camada aérea que os envolve, não é o receptáculo de germes patogênicos, mais numerosos e mais virulentos do que em outros lugares”. Cf. Dr. Ch. Le Maont, Essai sur l’hygiène des cimitières, p. 05.
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