O milagre da Cristandade: Um motivo de esperança

Por Joseph B. Sheppard em Tradition in Action.

Charlemogne and the Pope Adrian I
Quando a cidade de Roma estava ameaçada por invasores em 772, o Imperador Carlos Magno se dirigiu até a cidade para ajudar o Papa Adriano I.

[O artigo do sr. Sheppard que ora publico possui méritos e deméritos, mas os méritos prevalecem sobre os deméritos em virtude de sua mensagem geral e de sua admirável concisão. Apenas saliento que atualmente estamos combatendo o que São Pio X chamou de “compêndio de todas as heresias”. Portanto, que as semelhanças com momentos difíceis do passado não nos enganem, nem façam o leitor perder de vista o senso das proporções: o que houve nos tempos do arianismo, na era de ferro do Papado ou até mesmo durante a Renascença, são coisas bem diferentes deste que temos diante de nós.

Seja como for, não há duvida que precisamos mais do que nunca de um santo Papa que ponha fim aos erros do Vaticano II “de forma rápida e incisiva”, assim como precisamos de um monarca ou governante que atenda às necessidades da Igreja. Que esse artigo não seja somente objeto de meditação, mas seja também fonte de inspiração para as nossas futuras obras e orações.]


Como um católico deve reagir a esse vale de lágrimas em que vivemos hoje? Aparentemente possuímos toda desculpa para dar o mínimo de atenção possível a tudo o que se passa do lado de fora, fechar as cortinas e fortalecer a nós mesmos dentro de nossas casas com a consolação das boas leituras espirituais e das santas devoções tais como o Rosário. Mas isso é tudo o que Nosso Senhor Jesus Cristo planejou para sua Igreja e seus fiéis?

Certamente não. Todo católico sabe da indispensável necessidade da Santa Missa, dos Sacramentos e do Sacerdócio. Ainda se deseja mais alguma coisa de nós? Sim, em acréscimo ao mandato de Cristo aos Apóstolos: “Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura” (Mc 16,15), estamos aqui para defender os fragmentos da Civilização Católica que ainda se encontram neste mundo e esperar, rezar e trabalhar pelo Reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre a terra.

O auge da sociedade católica ocorreu na Alta Idade Média (grosseiramente entre 1100 e 1300), como Papa Leão XIII tão belamente descreveu em sua encíclica Imortale Dei:

Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições e os costumes dos povos, todas as classes e relações da sociedade civil. Então o sacerdócio e o império estavam ligados entre si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, frutos cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer.

Alguém pode objetar: “Mas a Idade Média foi há muito tempo atrás. O que isso tem a ver com os dias de hoje?” A Alta Idade Média contemplou o florescimento da sociedade católica, nascida das sementes lançadas pelos Apóstolos e germinada pelo sangue dos Mártires que viveram no já decadente Império Romano. O estabelecimento de tal civilização foi miraculoso. Quem poderia acreditar que tal coisa pudesse ocorrer senão aqueles munidos de grande fé? Os fiéis das catacumbas não estavam convencidos de que o fim do mundo estava próximo? E aqueles que testemunharam as tribos bárbaras invadindo o Império Romano?

Hoje igualmente podemos ter motivos para crer que o fim do mundo está próximo – somente o bom Deus o sabe. Mas quando observamos os desafios que a Igreja enfrenta hoje, tanto os de dentro quanto os de fora, também temos motivos para esperar um outro período de civilização católica. Em suma, se Deus quiser e nós colaborarmos, o que aconteceu outrora pode acontecer novamente.

As ameaças que afetam os católicos de hoje e impedem o retorno da Cristandade são análogas àquelas que assaltavam a Cristandade durante a Idade Média.

Os primeiros tipos de ameaça são aqueles que podemos chamar de internas. Testemunhamos a fraqueza do orgulho e da sensualidade, e às vezes heresias, que se originam de dentro da Igreja mesma. Dogmas definidos pelos grandes concílios da Igreja, ensinamentos infalíveis dos Papas ou as próprias palavras de Nosso Senhor são abertamente questionadas ou desprezadas.

Gregório VII enfrentou muitas perseguições por seu governo forte da Igreja
Gregório VII enfrentou muitas perseguições por seu governo forte da Igreja. No topo, expulso de Roma pelo antipapa Gilberto. Abaixo, publicou um decreto de excomunhão contra o clero e ao Rei, e sua morte em Salerno em 1085.

O que aconteceu quando tais ameaças internas atormentavam a Igreja na baixa Idade Média? No período da história que antecipou à Alta Idade Média, Deus deu-nos o Papa São Gregório VII (1020-1085) para purgar a Igreja dos escândalos e abusos. Esses abusos e escândalos incluíam a busca de cargos eclesiásticos por razões mundanas e pecados contra a pureza, similares aos problemas que vemos na Igreja hoje.

Diferentemente de hoje, porém, o Papa São Gregório tratou o problema de forma rápida e incisiva. Ele fez um cerco aos três grandes males da vida eclesiástica de então: 1. Simonia (a venda de cargos eclesiásticos), 2. Nicolaísmo (casamento clerical e incontinência) e 3. Mundanidade geral.

No Sínodo de Latrão de 1074, confirmou os decretos de reforma dos Pontífices anteriores e acrescentou outros de abrangência drástica e inflexível. Ele estipulou que: 1. Os clérigos que ganharam seus cargos por simonia fossem depostos; 2. Os clérigos vivendo uma vida imoral foram proibidos de exercer seu ministério sagrado; 3. Os leigos foram proibidos de receber Sacramentos ministrados por clérigos que se recusassem submissão “de modo que aqueles que não possam ser corrigidos pelo amor de Deus ou pela dignidade de suas funções, sejam-no pelo respeito humano e pelo ódio do povo.”

No tempo em que o mundo católico parecia estar desmoronando e partindo em pedaços, Papa Gregório VII tomou todo o problema em suas mãos e, guiado pelo Espírito Santo, dirigiu a Barca de Pedro para uma região segura. Não pode Deus nos fornecer um outro São Gregório VII hoje, se assim o pedirmos e verdadeiramente o quisermos? Ou Deus preferiria que presumíssemos que a situação é de tal sorte que nem vale a pena pedir por um santo Papa?

A segunda ameaça que busca destruir e impedir a existência da Cristandade vem daqueles que desejam a destruição da Igreja desde fora. A principal ameaça deste tipo na Idade Média eram os maometanos. Em apenas cem anos – do século sétimo para o oitavo – os seguidores dessa nova religião conquistaram a Síria, a Palestina, o Egito, o norte da África e a Espanha. O mundo cristão foi assaltado em dois frontes: a península Ibérica no Ocidente e Constantinopla no Oriente. O Império Bizantino freou os maometanos em Constantinopla enquanto Carlos Martel parou o avanço muçulmano no Ocidente na Batalha de Poitiers (732).

Carlos Martel derrota os sarracenos
Carlos Martel derrota os sarracenos. Chroniques de France, c. 1350

Embora Carlos Martel tenha sido um homem de muitas faltas, ele prestou uma assistência crucial à Civilização Cristã. Foi seu descendente, Carlos Magno, que se tornou o primeiro Imperador do Sacro Império Romano Germânico e lhe prestou um serviço ainda maior. Foi assim que Deus salvou a Europa pela Cristandade.

São Gregório, já em 1073, havia concebido a Primeira Cruzada à Terra Santa. Ele exortou os fiéis a recuperar o Santo Sepulcro das mãos dos maometanos, que destruíam santuários e agredido peregrinos desde o século VII. São Gregório não viveu para ver o seu sonho cumprido; a Primeira Cruzada foi convocada por Papa Urbano II em 1095.

Hoje ainda somos ameaçados pelo Maometanismo. Por esse nome eu faço alusão aos que acreditam que é a vontade de seu deus submeter o mundo interio à lei islâmica pela violência. É simplesmente tão importante barrar essa doutrina como foi na Idade Média. Também Deus pode fazer uso de homens que estão muito longe de ser perfeitas ferramentas a fim de preservar os vestígios de Civilização Cristã hoje, assim como ele fez para salvar aquele frágil embrião da Cristandade no passado.

Em suma, estudando a gloriosa História da Igreja, há motivo de esperança para a verdadeira Civilização Cristã sobre a terra. Ele não será uma Civilização como aquela da Alta Idade Média, mas atingirá um novo apogeu.

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