A Igreja ou a Bíblia

Por Padre Arnold Damen, S.J. em DRBO.ORG

RESUMO ESQUEMÁTICO DO SERMÃO

  • A Fé Divina é necessária à salvação: “Aquele que crer e for batizado será salvo, aquele que não crer será condenado.” (§ I)
  • Também é necessário que exista um meio pelo qual os homens cheguem ao conhecimento da Fé Divina. O meio precisa ser universal, acessível a todos os níveis de inteligência e infalível (§ II).
  • Os protestantes dizem que esse meio é a Bíblia, os católicos dizem que é a Igreja. Mas a Bíblia não pode ser este meio, porque:
    1. Ela não é um meio universal:
      1. Cristo não pediu para os Apóstolos escreverem a Bíblia, nem deu um livro aos homens.
      2. A Bíblia somente foi completada 65 anos depois do estabelecimento da Igreja, logo os cristãos ficaram 65 anos sem a Bíblia (§ III).
      3. Mesmo depois de completada, os cristão ficaram 300 anos sem saber quais eram os livros que constituíam a Bíblia, somente no século IV o Papa determinou quais eram os livros inspirados e quais não eram (§ IV).
      4. Ainda assim, os cristãos viveram por 1.400 anos sem ter fácil acesso à Bíblia pelo simples fato de que, antes da invenção da imprensa, uma cópia da Bíblia era difícil de fazer e, por conseguinte, custava uma fortuna. Uma Bíblia no século XI custava em torno de 750 mil reais. Portanto, somente pessoas muito ricas poderiam ter uma cópia dela (§ V).
    2. Ela não é acessível a todos os níveis de inteligência (§ VI):
      1. Sempre existiram analfabetos.
      2. Poucas pessoas sabem ler a Bíblia na sua língua original, a única forma de saber se estão lendo uma tradução autêntica da Escritura.
      3. Mesmo aqueles que sabem, geralmente entram em controvérsia quanto ao significado das passagens bíblicas e não raro criticam a autenticidade das traduções atuais.
    3. Ela não é infalível: as denominações protestantes são a prova viva de que a interpretação privada da Bíblia dá margem a todo tipo de heresia e blasfêmia (§ VII).
  • Diante disso, o protestante é forçado a admitir que a sua interpretação é uma mera opinião entre outras. Ora, uma opinião humana não pode salvar ninguém. Ela não é a Fé Divina.
    Conclusão: A Bíblia é boa, mas ela não interpreta a si mesma. Assim como um país bem governado e unido não possui somente uma Lei Suprema, mas também aqueles que têm autoridade para explicar o seu verdadeiro significado ao povo, a Igreja fundada por Jesus Cristo também possui aqueles que interpretam a sua Lei com autoridade. Eles garantem que os cristãos de todos os tempos, de todos os níveis de inteligência recebam a Fé Divina sem erro ou engano (§ VIII).

APRESENTAÇÃO DO EDITOR DE LÍNGUA INGLESA

O seguinte sermão é tão relevante hoje como foi há cem anos atrás, quando foi pregado pela primeira vez pelo Padre Arnold Damen, S.J. Esta mensagem foi e é ainda um desafio a todos aqueles que se orgulham de ser crentes na Bíblia e na Bíblia somente. É só a autoridade infalível da Igreja, conforme prometido por Cristo, que preserva a Palavra de Deus de uma interpretação errônea. Eis a essência do sermão de Padre Damen.

Todo sincero leitor da Bíblia merece saber a verdadeira relação que Deus estabeleceu entre a Igreja e a Sagrada Escritura. Portanto, convidamos todos aqueles que amam a Bíblia a ouvir a exposição de Padre Damen com o coração aberto, para que não suceda que, lendo as Escrituras, falsifiquem-nas para a sua própria ruína. [cf. 1 Pedro 3,15]

Padre Arnold Damen
Padre Arnold Damen, S.J. (1815-1890)
I. [A FÉ DIVINA]

Caros irmãos em Cristo,

Quando Nosso Divino Salvado enviou seus Apóstolos e discípulos pelo mundo inteiro para pregar o Evangelho a toda criatura, Ele apontou as condições de salvação da seguinte maneira: “Aquele que crer e for batizado será salvo, aquele que não crer será condenado.” [Mc 16,16]. Aqui, pois, Nosso Senhor indicou as duas condições de salvação: a Fé e o Batismo. Nesta noite, falarei sobre a condição da Fé.

Devemos ter a Fé para nos salvar, e devemos ter a Fé Divina, não a fé humana. A fé humana não salvará o homem, mas somente a Fé Divina. O que é a Fé Divina? É crer, apoiado na autoridade de Deus, nas verdades que Deus revelou. Esta é a Fé Divina: crer em tudo o que Deus ensinou apoiado na autoridade de Deus mesmo e crê-las sem dúvida, sem hesitação. Pois a partir do momento que se começa a duvidar ou hesitar, começa-se também a desconfiar da autoridade de Deus e assim Deus é insultado por se duvidar de sua palavra. A Fé Divina é crer sem duvida e sem hesitação. A fé humana é a crença apoiada na autoridade dos homens, na autoridade humana. Mas a Fé Divina é crer sem duvida ou hesitação o que quer que Deus tenha revelado apoiado na autoridade de Deus, apoiado na Palavra de Deus Logo, a religião que um homem professa não é matéria de pouca importância.

Todos já ouviram dizer neste século de pouca fé que não importa a religião que o homem professe, posto que ele seja bom. Afirmá-lo, porém, é heresia e eu vou demonstrá-lo. Se fosse de pouca importância o que um homem crê, posto que ele seja bom, então seria inútil para Deus fazer qualquer revelação. Se um homem está em posição de rejeitar o que Deus revela, qual é a serventia de Cristo enviar seus Apóstolos e discípulos para ensinarem todas as nações, se essas mesmas nações são livres para crer ou rejeitar as doutrinas de seus Apóstolos ou discípulos? Vejam que dizê-lo seria um insulto a Deus.

Se Deus revela uma coisa ou ensina uma coisa, Ele quer que ela seja crida. O homem é obrigado a crer em tudo o que Deus revelou, pois somos obrigados a adorar a Deus, tanto com a nossa razão e inteligência quanto com o nosso coração e vontade. Deus é o mestre de todo homem. Ele reclama para si a nossa vontade, razão e inteligência.

Onde está o homem – não importa sua denominação, igreja ou religião – que dirá que não somos obrigados a crer naquilo que Deus ensinou? Estou certo que não haverá um cristão que negará que somos obrigados a crer em tudo o que Deus revelou. Portanto, não é matéria de indiferença qual religião um homem professa. Ele deve professar a verdadeira religião, caso ele queira se salvar.

Mas qual é a verdadeira religião? A verdadeira religião é crer em tudo o que Deus ensinou. Estou convencido que mesmo os protestantes vão admitir que isso é verdade, pois, se eles não o fizerem, atestariam que não são realmente cristãos.

– Mas, pergunto eu, qual é a verdadeira Fé?
– A verdadeira Fé, respondem os protestantes, é crer no Senhor Jesus.
– Concordo, os católicos também creem nisso. Diga-me, por que você diz pela fé no Senhor Jesus?
– Por que, responde ele, deve-se crer que Ele é o filho do Deus vivo.
– Concordo outra vez. Graças a Deus, podemos concordar em alguma coisa. Nós também cremos que Jesus Cristo é o Filho do Deus vivo, que Ele é Deus. Sobre isso todos concordamos, excetuando os antitrinitários, mas não trataremos deles aqui. Se Cristo é Deus, então devemos crer em tudo o que ele ensina. Não é isso caro protestante? Esta é a verdadeira Fé, não é mesmo?
– Sim, diz ele. Penso que esta é a verdadeira Fé. Para crer que Jesus é o Filho de Deus vivo, devemos crer em tudo aquilo que Cristo ensinou.
– Nós católicos dizemos o mesmo, e aqui nós concordamos de novo. Devemos crer em tudo o que Cristo ensinou, tudo o que Deus revelou. Sem esta Fé, não há salvação. Sem esta Fé, não há esperança de ir para o Céu. Sem esta fé, seremos condenados a danação eterna! Temos as palavras de Cristo que o prova: “Aquele que não crer será condenado.”

II. [O MEIO DE SALVAÇÃO E SUAS QUALIDADES]

Mas se Cristo, caros irmãos, manda sob pena de condenação eterna crer em tudo o que ele ensinou, Ele deve fornecer o meio para se conhecer o que ele ensinou. E este maio que Cristo nos deu para conhecer sua doutrina deve ter sido dado não só para os alguns homens de um certo tempo, mas deve estar ao alcance dos homens de todos os tempos.

Além do mais, esse meio que Deus nos dá para saber o que ele ensinou deve ser um meio adaptado à capacidade de todas as inteligências, mesmo as mais fracas. Pois mesmo os mais ignorantes têm o direito de se salvar e, por conseguinte, eles têm um direito ao meio pelo qual eles aprenderão as verdades que Deus ensinou a fim de que eles também possam crer nelas e assim se salvar.

O meio que Deus nos dá para conhecer o que ele ensinou ainda deve ser infalível. Pois se ele for um meio que pode nos desviar do caminho, então ele não pode ser um meio realmente. Ele deve ser um meio infalível, de modo que se um homem faz uso dele, ele será infalivelmente, sem medo de erro ou engano, levado ao conhecimento de todas as verdades que Deus ensinou.

Não penso que possa haver qualquer pessoa aqui, não importa quem seja, cristão ou incrédulo, que possa objetar minhas premissas. E essas premissas que eu apresentei são o fundamento de meu discurso e de todo meu raciocínio, portanto, eu quero que as tenham em mente. Eu irei repeti-las, pois sobre essas premissas repousa toda a força de meu discurso e raciocínio.

Se Deus manda, sob pena de condenação eterna, crer em tudo o que Ele ensinou, Ele é obrigado a me dar o meio para conhecer o que Ele ensinou. [É a sua Suma Bondade que o exige e a sua promessa que o confirma.] Este meio que Deus nos oferece deve ter ficado o tempo todo ao alcance do povo, deve ser adaptado a capacidade de todas as inteligências, deve ser um meio infalível de modo que, se um homem faz uso dele, ele será levado ao conhecimento das verdades ensinadas por Deus.

III. [A BÍBLIA NÃO É UM MEIO UNIVERSAL: OS PRIMEIROS CRISTÃOS]

– Deus nos deu tal meio?
– Sim, diz o protestante. Ele nos deu.
– Assim também diz o católico. Deus nos deu tal meio. Qual meio Deus nos deu, pelo qual aprenderemos a verdade que ele nos revelou?
– Este meio é a Bíblia, diz o protestante, a Bíblia, a Bíblia inteira e nada além da Bíblia.
– Nós católicos, porém, dizemos: Não, não é a Bíblia e a sua interpretação privada o meio escolhido por Deus, mas a Igreja do Deus vivo.

Eu vou provar os fatos, e desafio todos os protestantes e todos os pregadores a refutarem o que vou dizer agora. Eu digo, então, que não é a interpretação privada da Bíblia que foi escolhida por Deus para ser a mestra do homem, mas a Igreja do Deus vivo.

Pois, caros irmãos, se Deus pretendesse que o homem deveria aprender sua religião de um livro, certamente Deus teria dado ao homem um livro. Cristo teria dado ao homem esse livro. Ele fez isso? Não, ele não o fez. Cristo enviou seus Apóstolos por todo o mundo e disse: “Ide, pois, e ensinai todas as gentes, batizando-os em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a observar tudo o que eu vos mandei.”

Cristo não disse, “Sentai e escrevei Bíblias e espalhai-as pelo mundo, e deixai todos os homens lerem a Bíblia e julgarem por si mesmos.” Se Cristo dissesse isso, nunca teria existido o Cristianismo sobre a terra, mas em vez disso se teria uma Babilônia e confusão, e jamais uma Igreja, a união de um corpo. Logo, Cristo nunca disse a seus Apóstolos, “Ide e escrevei Bíblias e distribui-as, deixando todos julgarem por si mesmos.” Essa estranha prescrição estava reservada para o século XVI, e nós vimos o resultado dela. Desde o século XVI tem surgido religião sobre religião e igrejas sobre igrejas, todas lutando e disputando entre si, e tudo isso por causa da interpretação privada da Bíblia.

Cristo enviou seus Apóstolos com autoridade para ensinar todas as nações, e nunca lhes deu qualquer ordem para escrever Bíblias. Os Apóstolos saíram por toda parte e pregando e estabelecendo a Igreja de Deus pela terra, mas nunca pensaram em escrever.

A primeira palavra escrita por São Mateus, e ele escreveu para o benefício de poucos indivíduos, veio à luz somente cerca de sete anos depois que Cristo deixou a terra, de modo que a Igreja de Deus existiu por sete anos antes que fosse escrita a primeira linha do Novo Testamento.

São Marcos escreveu cerca de dez anos depois que Cristo deixou esta terra, São Lucas cerca de vinte e cinco anos e São João cerca de sessenta e cinco anos depois que Cristo estabeleceu a Igreja de Deus. Assim, a religião católica existiu sessenta e cinco anos antes da Bíblia ser completada.

Ora, eu pergunto, esses cristãos que viveram entre o estabelecimento de da Igreja de Jesus e o fim da composição da Bíblia foram realmente cristãos, bons e esclarecidos? Eles conheciam a religião de Jesus? Digam-me, onde está o homem que ousará dizer que aqueles que viveram do tempo que Cristo subiu aos Céus até o tempo em que a Bíblia foi completada não foram cristãos de verdade? É admitido de ambos os lados, por todas as denominações, que eles foram os mais excelentes cristãos, as primícias do Sangue de Jesus Cristo.

Mas como eles sabiam o que tinham de fazer para salvar as suas almas? Foi pela Bíblia que eles aprenderam? Não, porque a Bíblia ainda não tinha sido escrita. Mas se é assim, será possível que Nosso Salvador tenha deixado sua Igreja por sessenta e cinco anos sem sua mestra, se é mesmo verdade que a Bíblia é a mestra dos homens? Certamente não.

Então, deixe-me fazer outra pergunta ao protestante:
– Os Apóstolos eram verdadeiros cristãos?
– Sim senhor, responderá ele, eles foram os fundadores do Cristianismo.
– Mas meu amigo, respondo eu, nenhum dos Apóstolos jamais leu a Bíblia, nenhum deles exceto, talvez, São João. Pois todos eles morreram mártires pela Fé de Jesus Cristo e nunca tiveram a oportunidade sequer de ver a capa de uma Bíblia. Todos eles morreram martirizados pela Igreja de Jesus antes que a Bíblia fosse completada.

Como é que esses cristãos que viveram os primeiros sessenta e cinco anos depois da ascensão de Cristo, sabiam o que eles tinham de fazer para salvar suas almas? Eles sabiam exatamente do mesmo modo que nós sabemos, meus caros irmãos. Vocês conhecem pelo ensinamento da Igreja de Deus e assim também faziam os primeiros cristãos.

IV. [A BÍBLIA NÃO É UM MEIO UNIVERSAL: OS EVANGELHOS APÓCRIFOS]

Contudo, a verdade é que não foram por apenas sessenta e cinco anos que Cristo deixou a sua Igreja sem uma Bíblia, mas por mais de trezentos. O fato é que a Igreja de Deus se estabeleceu e espalhou por toda parte sem a Bíblia por mais de trezentos anos. Por todo aquele tempo o povo não sabia quais livros constituíam a Bíblia.

No tempo dos Apóstolos, existiram muitos falsos evangelhos. Existia o Evangelho de Simão, o Evangelho de Nicodemos, de Maria, de Barnabé e o Evangelho da Infância de Jesus. Todos esses evangelhos estavam no meio do povo, e o povo não sabia ao certo quais desses eram inspirados e quais eram falsos e espúrios. Mesmo os mais instruídos disputavam se a preferência deveria ser dada ao Evangelho de Simão ou ao de Mateus, ao de Nicodemos ou ao de Marcos, ao de Maria ou ao de Lucas, ao da Infância de Jesus ou ao de São João Evangelista.

E o mesmo pode ser dito sobre as cartas. Muitas cartas espúrias foram escritas naquele tempo e o povo não sabia por mais de trezentos anos quais eram falsas ou espúrias e quais eram inspiradas. Então, eles não sabiam quais livros constituíam a Bíblia.

Não foi senão no quarto século que o Papa de Roma, a Cabeça da Igreja, o sucessor de São Pedro, reuniu os Bispos do mundo em um Concílio. E lá naquele Concílio se determinou que a Bíblia – como nós católicos temos agora – é a Palavra de Deus e aqueles evangelhos de Simão, Nicodemos, Maria, da Infância de Jesus, de Barnabé e todos os demais eram espúrios ou, ao menos, inautênticos. Ao menos, não havia evidência de sua inspiração, enquanto os Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João eram inspirados pelo Espírito Santo.

Até aquele momento o mundo todo, ou seja, por nada menos do que trezentos anos, as pessoas não sabiam ao certo o que era a Bíblia. Portanto, eles não poderiam tomar a Bíblia como seu guia, pois eles não sabiam quais livros a constituíam. Se o nosso Divino Salvador queria que as pessoas aprendessem sua religião de um livro, será que Ele teria deixado o mundo cristão por trezentos anos sem esse mesmo livro? Certamente não.

V. [A BÍBLIA NÃO É UM MEIO UNIVERSAL: O LIVRO ANTES DA IMPRENSA]

Mas a verdade é que o mundo não foi deixado sem a Bíblia por por trezentos anos, o mundo cristão ficou sem o Santo Livro por mil e quatrocentos anos!

Antes da imprensa ser inventada, as Bíblias eram raríssimas. As Bíblias eram coisas muito difíceis de se fazer. Todos devem estar conscientes, se tiveram algum conhecimento de História, que a imprensa foi inventada somente pouco séculos atrás, em meados do século XV, cerca de um século antes que surgisse o primeiro protestante.

Como eu tenho dito, antes da imprensa ser inventada os livros eram coisas raras e difíceis de se fazer. Historiadores contam que, no século XI, as Bíblias eram tão raras e tão difíceis de fazer que comprar uma cópia da Bíblia custava uma fortuna, uma considerável fortuna. Antes da imprensa todas as coisas tinham de ser feitas com a pena sobre o pergaminho ou o papiro. Era, pois, um trabalho tedioso e lento, uma tarefa bem trabalhosa.

Ora, a fim de chegar ao provável custo de uma Bíblia daquela época, vamos supor que um homem deveria trabalhar por dez anos para fazer a cópia de uma Bíblia naquele tempo e ganhar um dólar por dia. Então, o custo da Bíblia seria de $3.650 dólares. Ora, vamos supor que um homem deveria trabalhar na cópia da Bíblia por vinte anos, como os historiadores dizem que teria levado, uma vez que não existiam as conveniências e aparelhos que temos hoje. Então, pagando um dólar por dia em vinte anos, o custo da Bíblia seria aproximadamente de $8.000 dólares. [Hoje em dia esse valor equivale a nada menos que $239,923 dólares! Em reais, a Bíblia sairia pela bagatela de R$753,358 reais!]

Suponha que eu venha até você e diga:
– Salvai a vossa alma, pois se perderdes a vossa alma tudo está perdido.
– Então, você pergunta, mas o que devo fazer para salvar a minha alma?
Nesse momento, aparece o pregador protestante dizendo:
– Você tem que obter uma cópia da Bíblia. Você pode consegui-la indo a tal e tal loja.
– Quanto custa? – você pergunta.
– $8.000 dólares, [ou seja, cerca de 750 mil reais], ele responde.
Então todos exclamamos:
– Deus nos livre! E alguém pode ir para Céu sem esse livro?
– Não, diz o protestante, todos devem ter a Bíblia e lê-la. E não adianta reclamar, não é a vossa alma digna de $8.000?
– Sim, certamente ela é, você diz. Mas me falta dinheiro e se não há como obtê-la e
se a salvação depende dela, terei que ficar fora do Reino dos Céus.

Sem dúvida, exigir de todos os homens uma tal fortuna para a salvação seria uma condição sem esperança.

Por mil e quatrocentos anos o mundo ficou sem a Bíblia – nem um homem em dez mil, nem um homem em vinte mil, tinha a Bíblia antes da invenção da imprensa. E será possível que Nosso Senhor teria deixado o mundo sem esse livro, se ele fosse necessário à salvação dos homens? Certamente não.

VI. [A BÍBLIA NÃO É ACESSÍVEL A TODAS AS INTELIGÊNCIAS]

Mas vamos supor por um momento que todos tivessem Bíblias, e que a Bíblia estivesse pronta desde o começo e que todo homem, mulher e criança tinha uma cópia dela. Do que adiantaria se as pessoas não soubessem lê-la?

Mesmo hoje metade dos habitantes da terra não sabem ler. Além disso, como as Bíblias foram escritas em grego e hebraico, seria necessário saber essas línguas para lê-la.

Mas se pode dizer que nós a temos agora traduzida em francês, inglês e outras línguas. Sim, mas quem nos garante que essas traduções sejam fiéis ao original? Se elas não forem, você não tem a Palavra de Deus. Se ela for uma tradução falsa, ela é uma obra puramente humana. Como você pode verificar a fidelidade da tradução? Como saber se a tradução segue fielmente o original grego e o hebraico?

– Eu não sei grego e hebraico, diz o protestante, eu dependo da opinião dos entendidos.

Mas suponha que os entendidos estejam divididos em suas opiniões, uns dizendo que ela é boa e outros dizendo que ela é falsa. Então, a sua fé desaparece, as duvidas e hesitações começam a surgir, pois não há como saber se a tradução é boa ou não.

Ora, sobre as traduções protestantes da Bíblia, permita-me dizer que os mais entendidos entres os protestantes falam que a sua tradução, a edição King James [cujo equivalente no Brasil é a Edição Almeida], é muito mal feita e cheia de erros. Veja bem, seus próprios profetas, pregadores e bispos escreveram volumes inteiros apontando os erros que estão na versão King James, e protestantes de várias denominações os reconhecem.

Alguns anos atrás, quando morava em St Louis, aconteceu naquela cidade uma reunião de ministros. Todas as denominações foram convidadas, o objetivo era a organização de uma nova tradução da Bíblia. Os procedimentos da convenção eram publicados diariamente no Missouri Republican. Um presbiteriano muito entendido, ao menos eu penso que ele era, levantou-se e, insistindo sobre a necessidade de uma nova tradução da Bíblia, disse que na atual tradução protestante haviam nada menos que 30 mil erros.

E você diz, caro protestante, que a Bíblia é seu guia e sua mestre. Que bela mestra, com 30 mil erros! Que Deus nos livre de uma tal mestre! Um erro já é mal o bastante, mas trinta mil é demais.

Outro pregador ficou de pé na convenção, eu penso que era um batista, e, e insistindo sobre a necessidade da nova tradução da Bíblia, disse que já faziam trinta anos que o mundo estava sem a Palavra de Deus, pois a Bíblia que temos hoje não é de todo a Palavra de Deus.

Eis os seus próprios pregadores. Vocês todos leem jornais, não há duvida, e devem saber o que aconteceu na Inglaterra há poucos anos atrás. Uma petição foi enviada ao Parlamento pedindo alguns milhares de libras esterlinas para se conseguir uma nova tradução da Bíblia. E esse movimento foi levado adiante por bispos e clérigos protestantes.

VII. [A BÍBLIA NÃO É INFALÍVEL]

Mas como você pode estar certo de sua fé? Você diz que a Bíblia é o seu guia, mas você não pode estar certo de que você possui a Fé. Vamos supor por um momento que todos têm uma Bíblia que é uma tradução fiel da original. Mesmo assim, ela não pode ser o guia do homem, pois a interpretação privada da Bíblia não é infalível, mas, ao contrário, muito falível. Ela é a nascente e fonte de todos os tipos de erros e heresias e todos os tipos de doutrinas blasfemas. Não se escandalize, apenas se mantenha calmo e ouça meus argumentos.

Atualmente existem no mundo 350 denominações ou igrejas [ou seja, no tempo de Padre Damen, de lá para cá o númerou cresceu consideravelmente, segundo levantamento feito no início deste milênio o número de denominações protestantes passava de 30 mil], e todas elas dizem que a Bíblia é seu guia e mestra. Eu presumo que todos eles são sinceros. Mas todas eles são igrejas verdadeiras? Esta é uma impossibilidade. A verdade é uma como Deus é um, e não pode haver contradição. Todo homem sabe que todas elas não podem ser verdadeiras, pois elas diferem e se contradizem entre si, e não podem, portanto, ser todas verdadeiras. Os protestantes dizem que o homem que lê a Bíblia direito e com fervor tem a verdade, e eles todos dizem que leem a Bíblia corretamente.

Vamos supor que haja um ministro episcopalista. Ele é um homem sincero, honesto, bem intencionado e fervoroso. Ele lê a sua Bíblia com espírito de oração, e a partir das palavras da Bíblia diz que é claro que devem existir bispos. Pois sem os bispos não há padres e sem os padres não há os Sacramentos e sem os Sacramentos não há igreja. O presbiteriano também é um homem sincero e honesto. Ele também lê a Bíblia, e dela deduz que não deveriam existir bispos, mas somente presbíteros.

– Aqui está a Bíblia, diz o episcopalista.
– Aqui está a Bíblia dando a você uma pretexto, acusa o presbiteriano.

Mesmo assim, ambos são homens honestos e bem-intencionados. Então o batista entra em cena. Ele é um homem tão honesto, bem-intencionado e fervoroso como os demais.
– Bem, diz o batista, vocês já foram batizados?
– Eu fui, diz o episcopalista, quando eu era um bebê.
– E assim fui eu, diz o presbiteriano, quando eu era um bebê.
– Mas, então diz o batista, vocês vão certamente para o inferno.

Depois dele aparece um unitarista, homem honesto e sincero.
– Bem, diz ele, permitam-me dizer que vocês são um bando de idólatras. Vocês adoram um homem como Deus sendo que ele não é Deus de jeito nenhum. – E eis que ele apresenta vários textos da Bíblia para o demonstrar, enquanto os outros tapam seus ouvidos para não ouvirem as blasfêmias do unitarista.

E todos eles garantem que possuem a verdadeira interpretação da Bíblia. Em seguida aparece o metodista, dizendo:
– Meus amigos, será que vocês não entendem nada de religião?
– Certamente entendemos – dizem eles.
– Vocês já sentiram a religião? – pergunta o metodista – já sentiram o Espírito de Deus agindo dentro de vocês?
– Isso não faz sentido, diz o presbiteriano, nós somos guiados pela nossa razão e juízo.
– Pois bem, diz o metodista, se vocês nunca sentiu a religião, vocês nunca a tiveram e hão de passar a eternidade no Inferno.

É nesse momento que o universalista entra e ouve que eles ameaçam um ao outro de condenação eterna.
– Por que, diz ele, vocês se comportam de maneira tão bizarra? Acaso vocês não entenderam a Palavra de Deus? Não existe inferno. Essa ideia é boa para assustar mulheres e criancinhas, mas não passa de um mito – e ele o demonstra fazendo uso dos textos da Bíblia.

Pouco depois surge um quaker. Ele exorta-os a não brigarem e aconselha que nenhum deles se batize. Ele é o mais sincero dos homens e põe toda sua fé na Bíblia. Outro vem e, em vez disso, faz a seguinte proposta:
– Batizem os homens e deixem as mulheres de fora. Pois a Bíblia diz, a menos que o homem nasça novamente da água e do Espírito Santo, ele não entrará no Reino dos Céus. Logo, diz ele, as mulheres estão dispensadas, mas batizem os homens.

Em seguida, o shaker toma a palvra e diz:
– Vocês são muito presunçosos. Vocês não sabem que a Bíblia ensina que o homem deve trabalhar por sua salvação em temor e tremor? Ora, vocês não estão tremendo. Irmãos, se vocês querem is para o Céu tratem de tremer, meus caros, tremam!

VIII. [A BÍBLIA NÃO É A MESTRA, MAS A IGREJA DE DEUS]

Eu trouxe aqui sete ou oito denominações, que diferem uma da outra, ou entendem a Bíblia de diferentes modos; elas servem para ilustrar os frutos da interpretação privada. Imaginem se eu trouxesse aqui todas as 350 denominações, todas tomando a Bíblia por guia e doutrina e todas diferindo entre si? Será que todas elas são verdadeiras? Um diz que existe o inferno, enquanto o outro diz que não existe. Será que ambos estão certos? Um afirma que Cristo é Deus, outro afirma que ele não é Deus. Um diz que o batismo é necessário ao passo que outro diz que ele não é necessário de maneira alguma. Estão, todos eles estão certos? Isso é uma impossibilidade pura e simples, meu amigo. Não é possível que todos estejam certos.

Quem, então, diz a verdade? Aquele que defende o verdadeiro sentido da Bíblia. Mas a Bíblia não diz quem ele é, a Bíblia nunca põe fim à disputa. Ela não é a mestra.

A Bíblia, meus caros, é um bom livro. Nós católicos admitimos que a Bíblia é a Palavra de Deus e todo católico é exortado a ler a Bíblia. Mas por mais que ele seja boa, a Bíblia não explica a si mesma. Ela é um bom livro, a Palavra de Deus, mas a sua explicação privada da Bíblia não é inspirada pelo Espírito Santo. O seu entendimento da Bíblia não é inspirado, pois certamente você não finge sê-lo.

A Bíblia é como a Constituição dos Estados Unidos. Quando Washington e seus colaboradores estabeleceram a Constituição dos Estados Unidos, eles não disseram: “Deixai todo homem ler a Constituição e fazer um governo ele mesmo. Deixai todo homem fazer a sua própria explicação da Constituição.” Se Washington tivesse feito isso, nunca teria existido os Estados Unidos. As pessoas teriam se dividido entre si e o país teria se desmembrado em milhares de governos diferentes.

Então, o que Washington fez? Ele deu ao povo a Constituição e apontou a Suprema Corte e o Juiz da Constituição. E eles existem para fornecer a verdadeira explicação da Constituição para todos os cidadãos americanos, todos sem exceção, do presidente ao mendigo. Todos são obrigados a aceitar as decisões da Suprema Corte e é isso e somente isso o que garante a união do povo e preserva os Estados Unidos como uma nação. A partir do momento que o povo toma a interpretação da constituição em suas mãos, acontece o fim da União.

E assim é com todo o governo. Assim é aqui e em todo lugar. Existe uma Constituição, uma Suprema Corte ou Lei e um Juiz da Constituição e essa Suprema Corte é aquela que fornece o verdadeira significado da Constituição.

Em todo país bem governado deve existir algo assim: uma Lei Suprema, uma Suprema Corte, um Supremo Juiz, que todo o povo aceita e obedece. Todos são obrigados a seguir suas decisões, e sem isso nenhum governo poderia ficar de pé. Mesmo entre as tribos indígenas tal condição existe. Como eles se mantém unidos? Pelo seu chefe, que é quem dita as leis.

Ora, Nosso Divino Salvador também estabeleceu sua Suprema Corte, seu Supremo Juiz para fornecer o verdadeiro significado das Escrituras e nos mostrar a verdadeira Revelação e doutrinas da Palavra de Jesus. O Filho de Deus vivo prometeu em sua Palavra que essa Suprema Corte é infalível e, portanto, o católico verdadeiro nunca duvida dela.

– Eu creio, diz o católica, porque a Igreja ensina assim. Eu creio na Igreja porque Deus me mandou crer nela.

De fato, Jesus disse: “Fale a Igreja. E se ele não ouvir a Igreja que seja para ti como pagão e publicano” [Mt 18,17] “Aquele que crê em vós crê em mim”, disse Cristo “e aquele que vos despreza a mim despreza” [Lc 10,16]. Portanto, o católico crê porque Deus falou e apoiado na autoridade de Deus.

Mas o protestante diz:

– Eu creio somente na Bíblia.
– Muito bem, mas você entende a Bíblia?
– Bem, diz ele, essa é a melhor opinião que obtive sobre o verdadeiro significado do texto.

Portanto, eles não está seguro de que a sua opinião seja a verdadeira, mas é a melhor opinião que ele tem. Vejam que este é apenas o testemunho de um homem. É uma fé totalmente humana, não a Fé Divina.

É só pela Fé Divina que nós damos honra e glória a Deus, somente por ela adoramos sua infinita sabedoria e veracidade; aquela adoração e aquele culto que é necessário para a salvação.

Eu demonstrai a você que a interpretação privada da Escritura não pode ser a guia ou a mestra do homem. Em outro sermão eu provarei que a Igreja Católica é a única Igreja de Deus e que não há outra.

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