Testemunho do embaixador Carl J. Burckardt sobre João XXIII

Via: Revista Sodalitium Pianum.

Carl_Burckhardt

Este é Carl J. Burckhardt. Eis o seu currículo: professor de História na Universidade de Zurique e Genebra, especialista em Voltaire e Goethe, diplomata, comissário da Liga das Nações na Polônia (1937), presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (1944), embaixador suíço em Paris (1945-1949). Foi aí que conheceu o Núncio Apostólico, Dom Angelo Roncalli, futuro João XXIII. Quando seu companheiro diplomata foi eleito ao papado em 1958, Burckhardt escreveu ao seu amigo Max Rychner:

“Tenho um grande interesse pelo Papa. Durante a minha estadia em Paris, tive muitos contatos pessoais com ele, eu realmente gostava muito dele. Andava para cá e para lá como um jovem funcionário de embaixada, encontrava-o em toda parte, a começar pela sala M.R.P.* da surpreendente Madame Abrami (…). Ele tem uma vasta experiência do mundo, poderia ter se tornado um excelente capitão de indústria, é da cabeça aos pés aquele camponês de Bérgamo, de boa intenção, mas esperto. Sua devoção é sólida, mas concisa, de acordo com seu estilo. Todavia, parece-me que seu bom senso – no curto prazo preciso, mas bastante vago no longo – impede-o de reconhecer o valor de certos mistérios que transcendem ao tempo e são especificamente católicos. A atitude de crer em milagres, o respeito pelo sagrado, não lhe dizem respeito. É um deísta e um racionalista, com a melhor tendência para se colocar a serviço da justiça social. Acrescenta-se a isso uma tendência a estender a mão a todos aqueles que, vindos de campos totalmente opostos, são animados por tais esforços (…). É bom, aberto, cheio de humor, muito afastado do medievo cristão; passando entre os “philosophes” franceses, chegou às mesmas conclusões dos reformadores, com menos paixão metafísica. Mudarão muitas coisas; depois dele a Igreja não será mais a mesma.” (BURCKARDT, Carl Jacob; RYCHNER, Max. Briefe: 1926-1965. Frankfurt: S. Fischer, 1970. Apud “Einsicht”, abr. 1981, p. 303.)

* – Movimento Republicano Popular, sigla do partido democrata cristão francês da época.

João XXIII nuncio apostolico
Dom Angelo Roncalli, futuro João XXIII, núncio apostólico em França de 1944 a 1953.

[…] “Conheci bem o papa João XXIII e durante os anos me encontrei com ele muitas vezes na semana; naquela época tinha muitas relações mundanas, fumava bons charutos, era um comensal jovial de jovialíssima Madame Abrami; pedia-me encontros privados para falar-me sobre seus brilhantes tiros táticos, era cheio de ‘humor’, engraçado e, no conjunto, um verdadeiro filho popular do Risorgimento, do Iluminismo em geral, racionalista simplificador, ao contrário da Igreja e de toda sua plenitude, que se expressa numa linguagem de formas e costumes que remontam à profundidade dos mistérios antigos.

Mais tarde, ele tirou desta Igreja a essência do que, em face do pensamento superexcitado de nossos últimos tempos, mostrava-a inapreensível e além de todo ataque. É depois de sua intrusão que um maçom de meu conhecimento foi capaz de dizer: ‘Estamos aqui, desta vez finalmente arrombamos a cidadela!’ Então, este bergamasco nunca me inspirou qualquer esperança. Esperança de quê? De uma concordantia oppositorum, de um oekumenè, de uma salada mista católico-protestante-iluminista?”

Este texto foi retirado do livro “Mehr als ich Dir jemals werde erzählen können Ein Briefwechsel”, Hambourg, Hoffmann und Kampe, 2008, página 245. Acrescento uma apresentação da Madame Abrami mencionada em ambos os textos; segundo Max Rychner e Marion Döhnhoff. Ei-la: Hélène Abrami, nascida Reinach, (1887-?). Filha de Théodore Reinach, viúva do político francês radical Léon Abrami (1879-1939) foi uma ninfa Egregia político-mundana dos tempos de Vincent Auriol. No pequeno livro de minha mãe, “Tout un monde”, publicado pela Gallimard em 2004, há uma descrição suculenta desta imponente dama. (Sodalitium Pianum, n. 64, pp. 41-42; cf. Sodalitium Pianum, n. 28, pp. 26-27.)

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