Modernismo e Integrismo

Compartilho com os leitores do Controvérsia Católica um excerto do artigo Duas correntes no pensamento católico contemporâneo escrito pelo Monsenhor Joseph Clifford Fenton (1906-1969), que então era Professor de Teologia Dogmática na Universidade Católica da América. Recomendo a leitura do artigo na íntegra, disponível em português nesta cópia digitalizada da Revista Eclesiástica Brasileira (vol. 8, fasc. 4, dez. 1948). O texto seguinte é particularmente importante, porque expõe o sentido exato de “modernismo” e “integrismo” enquanto revela o erro daqueles que imaginam um meio-termo entre ambos.

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O leitor incauto da Pastoral do Cardeal Suhard poderá, talvez, chegar à conclusão perigosamente falsa de que o modernismo e o integrismo são duas doutrinas opostas e igualmente falsas, uma levando para a esquerda e outra para a direita do genuíno ensinamento católico. Nada, porém, estaria mais longe da verdade do que isso. Modernismo, na linguagem técnica da doutrina católica, é o nome dado a uma série definida de erros condenados no decreto Lamentabili, na encíclica Pascendi e no motu-proprio Sacrorum antistitum. O Papa Pio X qualificou o modernismo de “conglomeração de todas as heresias”. Ao passo que integrismo é o nome dado ao ensinamento ou à atitude daqueles que se esforçam por apresentar o catolicismo em sua inteireza, que expõem o dogma católico exatamente e integralmente. A palavra “integrismo” foi primeiro usada correntemente para designar o espírito e a atitude daqueles escritores católicos que tinham entrado em controvérsia contra os modernistas durante a primeira década do século corrente. Entendido deste modo, o integrismo não era senão a impugnação da heresia modernista; ele consistia tão somente e fundamentalmente na exposição da doutrina católica.

Quando vemos que na Pastoral do Cardeal Suhard o integrismo é posto em paralelo com o modernismo e apontado como atitude a ser evitada pelos católicos, precisamos saber que essa situação decorreu da superveniência, na França, de certos acontecimentos de interesse predominantemente nacional. Alguns dos escritores franceses que se opuseram com maior energia aos erros modernistas, foram também dos que, em política, assumiram uma atitude ultra-conservadora. Muitos deles se acharam implicados em um determinado movimento monarquista. Ora, algumas das opiniões políticas por eles adotadas eram injustificáveis. Em consequência, o descrédito que cobriu suas ideias politicas estendeu-se também a todas as ideias doutrinárias por eles professadas. O termo “integrismo” acabou, assim, por aplicar-se a um campo inteiramente diverso do que, em sua origem, servia para designar, e ser malquisto em todas as suas acepções.

Não obstante isso, é mister não esquecer que o modernismo, em si, é uma heresia definida, ou uma coletânea de ensinamentos heterodoxos, ao passo que o integrismo, em si, nada tem de herético. A genuína doutrina católica não se encontra a meio caminho entre os ensinamentos de Tyrell e Loisy e os dos autores católicos que os combateram. Impugnando os textos condenados em Lamentabili, Pascendi e Sacrorum antitstitum, os escritores católicos da época agiam de modo correto e irrepreensível. Se, como está sendo em nosso país, a palavra integrismo foi usada para designar o que é especificamente anti-modernista, quer isto dizer então que o integrismo não é mais do que a asserção das verdades do catolicismo pressupostas na negação dos erros que são incompatíveis com a divina mensagem da Igreja.

Isto não quer dizer que todas as teorias proferidas pelos grandes oponentes do modernismo na primeira década de nosso século tenham que ser aceitas como fazendo parte da doutrina católica. Menos ainda quer isto dizer que qualquer dessas teorias individuais possa ser tida legitimamente como pertencendo essencialmente ao integrismo. Os homens que discerniram e atacaram no começo deste século as falsas opiniões então correntes em certos meios, divergiram entre si, às vezes até radicalmente, em suas individuais conclusões teológicas. Os pontos sobre os quais eles divergiram, e sobre os quais os homens de seu tempo podiam legitimamente divergir, não constituíam aquilo que os modernistas, pelo menos, chamavam de integrismo. O trabalho a que se dedicaram os integristas, considerados em conjunto, foi o desmascaramento e a destruição da heresia modernista. Esse trabalho de equipe – e não outro – é que foi e ainda é hoje designado correta e geralmente pelo nome de integrismo.

Para a gente de nossa terra, por conseguinte, torna-se, na melhor hipótese, motivo de confusão apontar o integrismo como um perigo que os publicistas católicos devem evitar, se quiserem que seja bem recebida pelo mundo, que dela tanto necessita, a doutrina divinamente revelada. O modernismo constitui, sem a menor sombra de dúvida, um perigoso erro; é uma armadilha em que pode cair qualquer pessoa que se torne tão entusiasta da orientação “progressista”, tão pressurosa por apresentar ao mundo a doutrina da Igreja de maneira aceitável, que olvide os pontos essenciais do dogma católico. O integrismo, ao contrário, por si mesmo, não constitui perigo algum. É de outra espécie, muito diferente, a armadilha em que se arrisca a cair um escritor “conservador”, zeloso de conservar íntegra a fé católica, mas descuidoso da maneira pela qual ele a transmite em seus escritos.

(Fenton, P. Joseph Clifford. Duas correntes no pensamento católico contemporâneo. Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 8, fasc. 4, dez. 1948, pp. 789-791.)

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