No Pequeno Catecismo sobre o Sedevacantismo da FSSPX do Canadá, lê-se o seguinte:
Se um católico estivesse convencido de que João Paulo II é um herege formal, manifesto, deveria ele então concluir que João Paulo II não é mais o Papa? Não, ele não deveria, pois de acordo com a opinião "comum" (Suarez) ou mesmo com a a opinião "mais comum" (Billuart), os teólogos pensam que mesmo um papa herege pode continuar a exercer o papado. Para ele perder a sua jurisdição, os bispos católicos (os únicos juízes em matéria de fé além do papa, por vontade divina) teriam de fazer uma declaração denunciando sua heresia.
Sobre esse assunto a credibilidade de Suarez está sujeita a sério questionamento, pois seu contemporâneo São Roberto Belarmino, que estava completamente familiarizado com toda a literatura patrística, assegura-nos em sua própria consideração do assunto [43] que "os Padres são unânimes no ensinamento de que os hereges não só estão fora da Igreja, mas também são depostos ipso facto de toda jurisdição e cargo eclesiástico." Certamente o único exemplo aduzido por Suarez em favor de sua declaração não enfraquece em nada o parecer de São Roberto, pois a afirmação de Suarez de que alguns Padres diferiram da visão corretamente atribuída a São Cipriano, Ambrósio, Agostinho etc. é, diz ele, extraída da Primeira Epístola de Clemente (o quarto papa, escrevendo aos Coríntios nos últimos anos do século I) onde afirma, conforme Suarez, que São Pedro ensinou que um papa herege tem de ser deposto (em vez de ser automaticamente deposto). Contudo, o fato é que São Clemente em parte alguma apresenta São Pedro dizendo qualquer coisa semelhante, como os leitores podem constatar pela leitura de qualquer tradução da epístola disponível. O mais próximo que Clemente chega do assunto ocorre na sua afirmação de que "nossos Apóstolos", isto é, São Pedro e São Paulo, "sabiam que haveriam contendas a respeito da dignidade episcopal" e consequentemente deram instruções "no sentido de que, após a morte deles, outros homens aprovados lhes sucedessem no ministério" (Capítulo XLIV). É de pouca importância discutir se Suarez confiou numa má fonte secundária ou se usou um texto primário corrompido, ou se ele apenas cometeu um erro; o que não pode ser negado é que sua posição se baseia na má interpretação do ensinamento dos Padres. De resto, talvez deveria ser mencionado que, se algum dos Padres afirmou que os hereges mereciam ser depostos de sua autoridade, isso não implica necessariamente que eles não tinham perdido seu cargo ipso facto, pois isso poderia referir à perda da posse dos bens temporais vínculados ao cargo. [...] A essa objeção Suarez responde que "hereges são para ser evitados o quanto possível ["quoad fieri potest"] e que isso não contradiz a sua teoria, senão meramente faz imperativo proceder com a deposição do Pontífice o mais de pressa possível." Inclino-me a sugerir que tal afirmação certamente não contradiz nem sua teoria, nem a de Davies. Se eles estiverem certos, isso significa que no inevitável período entre antes e depois da deposição do papa herege - um período que poderia ser longo - os fiéis deveriam permanecer sujeitos e obrigados a obedecer a quem eles são divinamente ordenados a desprezar. E aqui não é necessário se valer unicamente da lógica, embora tal posição seja bem clara, pois São Roberto Belarmino, Doutor da Igreja, ofereceu uma fatal resposta a opinião de Suarez, inquirindo: "Como se pode pedir para evitar a nossa própria cabeça? Como poderíamos nos separar de um membro que está unido a nós?" Esses quatro argumentos, como disse, constituem a resposta de Suarez a posição de seus oponentes. [...] Assim, fomos deixados com o argumento de que os papas, como outros clérigos, mantém o ofício em caso de heresia até que uma declaração jurídica de sua heresia seja feita, uma vez que não há nenhuma lei divina em sentido contrário. E, dessa maneira, a última base sobre a qual a posição de Suarez se assenta é totalmente aniquilada pelo fato de que, a despeito da dignidade que ela teve um dia como opinião minoritária, ela é hoje reconhecida como sendo certamente falsa. Eu cito o De Processu Criminali Ecclesiastico de Dr. Francis Heiner [46]:
Autores antigos disputaram se a penalidade da privação de benefícios [incorrida por hereges] sucede ipso facto ou depois de uma sentença jurídica. Mas devido às provisões de leis subsequentes a matéria já não é mais duvidosa. Na constituição Noverit Universitas do Papa Nicoulau III de 5 de março de 1280, por exemplo, diz-se: "Mas os hereges... não devem receber qualquer benefício eclesiástico ou cargo; e se o contrario tiver ocorrido, Nós decretamos que seja nulo e sem efeito; pois, a partir de agora, Nós os privamos de seus benefícios, querendo que eles não os tenham em perpétuo e que não os recebam de modo algum no futuro." Ora, as palavras "a partir de agora privamos" são equivalentes às palavras ipso facto [pela lei mesma], como é ensinado por Suarez [De Legibus, Bk. 5, c. 7, n. 7] [47] e outros canonistas. O Papa Paulo IV disse a mesma coisa de forma ainda mais clara em sua constituição Cum Ex Apostolatus de 15 de fevereiro de 1559, na qual, depois de confirmar as penalidades estabelecidas por seus predecessores contra os hereges, afirma expressamente que "Incorrem em excomunhão ipso facto todos os que conscientemente ousam acolher, defender ou favorecer os desviados ou lhes deem crédito, ou divulguem suas doutrinas... os clérigos serão privados... de todos os ofícios eclesiásticos e benefícios." Por conseguinte, não pode haver duvida de que os clérigos são privados de seus benefícios ipso facto pelo crime de heresia.
Se algum clérigo... publicamente abandona a Fé Católica... todos os seus cargos se tornam vacantes ipso facto e sem qualquer declaração, por renúncia tácita, aceita pela lei mesma.