A IMMORTALE DEI DE LEÃO XIII: EXCERTOS CONTRA A LIBERDADE RELIGIOSA:
- Publicado em 15/02/2018
- Por Diogo Rafael Moreira
[Retirados da
versão portuguesa da
Immortale Dei.]
[OS DEVERES DO ESTADO PARA COM A RELIGIÃO CATÓLICA]
11. Sendo a sociedade política fundada sobre estes princípios [isto é, o homem é um ser social, a sociedade civil necessita de autoridade para alcançar o seu fim próprio, toda autoridade vem de Deus], evidente é que ela deve, sem falhar, cumprir por um culto público os numerosos e importantes deveres que a unem a Deus. Se a natureza e a razão impõem a cada um a obrigação de honrar a Deus com um culto santo e sagrado, porque nós dependemos do poder dele e porque, saídos dele, a Ele devemos tornar, à mesma lei adstringem a sociedade civil. Realmente, unidos pelos laços de uma sociedade comum, os homens não dependem menos de Deus do que tomados isoladamente; tanto, pelo menos, quanto o indivíduo, deve a sociedade dar graças a Deus, de quem recebe a existência, a conservação e a multidão incontável dos seus bens. É por isso que, do mesmo modo que a ninguém é lícito descurar seus deveres para com Deus, e que o maior de todos os deveres é abraçar de espírito e de coração a religião, não aquela que cada um prefere, mas aquela que Deus prescreveu e que provas certas e indubitáveis estabelecem como a única verdadeira entre todas, assim também as sociedades não podem sem crime comportar-se como se Deus absolutamente não existisse, ou prescindir da religião como estranha e inútil, ou admitir uma indiferentemente, segundo seu beneplácito. Honrando a Divindade, devem elas seguir estritamente as regras e o modo segundo os quais o próprio Deus declarou querer ser honrado.
12.
Devem, pois, os chefes de Estado ter por santo o nome de Deus e colocar no número dos seus principais deveres favorecer a religião, protegê-la com a sua benevolência, cobri-la com a autoridade tutelar das leis, e nada estatuírem ou decidirem que seja contrário à integridade dela. E isso devem-no eles aos cidadãos de que são chefes. Todos nós, com efeito, enquanto existimos, somos nascidos e educados em vista de um bem supremo e final ao qual é preciso referir tudo, colocado que está nos céus, além desta frágil e curta existência. Já que disso é que depende a completa e perfeita felicidade dos homens, é do interesse supremo de cada um alcançar esse fim. Como, pois, a sociedade civil foi estabelecida para a utilidade de todos, deve, favorecendo a prosperidade pública, prover ao bem dos cidadãos de modo não somente a não opor qualquer obstáculo, mas a assegurar todas as facilidades possíveis à procura e à aquisição desse bem supremo e imutável ao qual eles próprios aspiram.
A primeira de todas consiste em fazer respeitar a santa e inviolável observância da religião, cujos deveres unem o homem a Deus.
13. Quanto a decidir qual religião é a verdadeira, isso não é difícil a quem quiser julgar disso com prudência e sinceridade. Efetivamente, provas numerosíssimas e evidentes, a verdade das profecias, a multidão dos milagres, a prodigiosa celeridade da propagação da fé, mesmo entre os seus inimigos e a despeito dos maiores obstáculos, o testemunho dos mártires e outros argumentos semelhantes, provam claramente que a única religião verdadeira é a que o próprio Jesus Cristo instituiu e deu à sua Igreja a missão de guardar e propagar.
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[O PODER SUPREMO DA IGREJA NA ORDEM ESPIRITUAL]
16. Se bem que composta de homens como a sociedade civil, essa sociedade da Igreja, quer pelo fim que lhe foi designado, quer pelos meios que lhe servem para atingi-lo, é sobrenatural e espiritual. Distingue-se, pois, e difere da sociedade civil. Além disso, e isto é da maior importância, constitui ela uma sociedade juridicamente perfeita no seu gênero, porque, pela expressa vontade e pela graça do seu Fundador, possui em si e de per si todos os recursos necessários à sua existência e ação. Como o fim a que a Igreja tende é de muito o mais nobre de todos, assim também o seu poder prevalece sobre todos os outros poderes, e de modo algum pode ser inferior ou sujeita ao poder civil.
Efetivamente, Jesus Cristo deu plenos poderes aos seus apóstolos na esfera das coisas sagradas, juntando-lhes tanto a faculdade de fazer verdadeiras leis como o duplo poder que dela decorre, de julgar e de punir. “Todo poder me foi dado no céu e na terra; ide pois, ensinai todas as nações... ensinando-as a observar tudo o que eu vos prescrevi” (Mt 28, 18-20). E ainda: “Tende cuidado de punir toda desobediência” (2 Cor 10, 6). Demais: “Serei mais severo em virtude do poder que o Senhor me deu para a edificação e não para a ruína” (2 Cor 13, 10). À Igreja, pois, e não ao Estado, é que pertence guiar os homens para as coisas celestes, e a ela é que Deus deu o mandato de conhecer e de decidir de tudo o que concerne à religião; de ensinar todas as nações, de estender a tão longe quanto possível as fronteiras do nome cristão; em suma, de administrar livremente e a seu inteiro talante os interesses cristãos.
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20. Assim, tudo o que, nas coisas humanas, é sagrado por uma razão qualquer, tudo o que é pertinente à salvação das almas e ao culto de Deus, seja por sua natureza, seja em relação ao seu fim, tudo isso é da alçada da autoridade da Igreja. Quanto às outras coisas que a ordem civil e política abrange, é justo que sejam submetidas à autoridade civil, já que Jesus Cristo mandou dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Tempos ocorrem às vezes, em que prevalece outros modo de assegurar a concórdia e de garantir a paz e a liberdade; é quando os chefes de Estado e os Sumos Pontífices se põem de acordo por um tratado sobre algum ponto particular. Em tais circunstâncias, dá a Igreja provas evidentes da sua caridade materna, levando tão longe quanto possível a indulgência e a condescendência.
21. Tal é, consoante o esboço sumário que havemos traçado, a organização cristã da sociedade civil, e essa teoria não é nem temerária nem arbitrária, mas se deduz dos princípios mais elevados e mais certos, confirmados pela própria razão natural. Essa constituição da sociedade política não tem nada que possa parecer pouco digno ou inconveniente para a dignidade dos príncipes. Longe de tirar o que quer que seja aos direitos da majestade, pelo contrário, torna-os mais estáveis e mais augustos. Muito mais: se olharmos isso mais de perto, reconheceremos nessa constituição uma grande perfeição que falta nos outros sistemas políticos; e ela produziria certamente frutos excelentes e variados se ao menos cada poder ficasse nas suas atribuições e pusesse todos os seus desvelos em cumprir o ofício e a tarefa que lhes foram determinados.
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25. [...] O homem, que é ao mesmo tempo cidadão e cristão, não mais rasgado em dois por obrigações contraditórias. Enfim, os bens consideráveis com que a religião cristã enriquece espontaneamente a própria vida terrena dos indivíduos são adquiridos para a comunidade e para a sociedade civil: donde ressalta a evidência destas palavras: “A sorte do Estado depende do culto que se tributa a Deus: e há entre ambos numerosos laços de parentesco e de estrita amizade” (Sacr. Imp. Ad Cyllirium Alexandr. Et Episcopos metrop. Cfr. Labbeum, Collect. Conc. T. III).
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[A ORIGEM E OS EFEITOS DO NATURALISMO SOBRE A SOCIEDADE CIVIL]
31. Mas esse pernicioso e deplorável gosto de novidades que o século XVI viu nascer, depois de primeiro haver transtornado a religião cristã, em breve, por um declive natural, passou à filosofia, e da filosofia a todos os graus da sociedade civil.
É a essa fonte que cumpre fazer remontar esses princípios modernos de liberdade desenfreada sonhados e promulgados por entre as grandes perturbações do século último, como os princípios e fundamentos de um “direito novo”, até então desconhecidos e sobre mais de um ponto em desacordo não somente com o direito cristão, mas com o direito natural. Eis aqui o primeiro de todos esses princípios: todos os homens, já que são da mesma raça e da mesma natureza, são semelhantes, e, “ipso facto”, iguais entre si na prática da vida; cada um depende tão bem só de si, que de modo algum está sujeito à autoridade de outrem: pode com toda liberdade pensar sobre qualquer coisa o que quiser, fazer o que lhe aprouver; ninguém tem o direito de mandar aos outros. Numa sociedade fundada sobre estes princípios, a autoridade pública é apenas a vontade do povo, o qual, só de si mesmo dependendo, é também o único a mandar a si. Escolhe os seus mandatários, mas de tal sorte que lhes delega menos o direito do que a função do poder, para exercê-la em seu nome.
A soberania de Deus é passada em silêncio, exatamente como se Deus não existisse, ou não se ocupasse em nada com a sociedade do gênero humano; ou então como se os homens, quer em particular, quer em sociedade, não devessem nada a Deus, ou como se pudesse imaginar-se um poder qualquer cuja causa, força, autoridade não residisse inteira no próprio Deus.
32. Destarte, como se vê, o Estado não é outra coisa mais senão a multidão soberana e que se governa por si mesma e desde que o povo é considerado a fonte de todo o direito e de todo o poder,
segue-se que o Estado não se julga jungido a nenhuma obrigação para com Deus, não professa oficialmente nenhuma religião, não é obrigado a perquirir qual é a única verdadeira entre todas, nem a preferir uma às outras, nem a favorecer uma principalmente; mas a todas deve atribuir a igualdade em direito, com este fim apenas, de impedi-las de perturbarem a ordem pública. Por conseguinte, cada um será livre de se fazer juiz de qualquer questão religiosa, cada um será livre de abraçar a religião que prefere ou de não seguir nenhuma se nenhuma lhe agradar. Daí decorrem necessariamente a liberdade sem freio de toda consciência, a liberdade absoluta de adorar ou de não adorar a Deus, a licença sem limites de pensar e de publicar os próprios pensamentos.
33. Dado que o Estado repousa sobre esses princípios, hoje em grande favor, fácil é ver a que lugar se relega injustamente a Igreja. Com efeito, onde quer que a prática está de acordo com tais doutrinas, a religião católica é posta, no Estado, em pé de igualdade, ou mesmo de inferioridade, com sociedades que lhes são estranhas. Não se tem em nenhuma conta as leis eclesiásticas; a Igreja, que recebeu de Jesus Cristo ordem e missão de ensinar todas as nações, vê-se interdizer toda ingerência na instrução pública. Nas matérias que são de direito misto, os chefes de Estado expedem por si mesmos decretos arbitrários, e sobre esses pontos ostentam um soberbo desprezo pelas santas leis da Igreja.
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[A LIBERDADE DEVE ORDENAR-SE À VERDAE E AO BEM]
38. Assim, também, a liberdade de pensar e publicar os próprios pensamentos, subtraída a toda regra, não é por si um bem de que a sociedade tenha que se felicitar; mas é antes a fonte e a origem de muitos males. A liberdade, esse elemento de perfeição para o homem, deve aplicar-se ao que é verdadeiro e ao que é bom. Ora, a essência do bem e da verdade não pode mudar ao sabor do homem, mas persiste sempre a mesma, e, não menos do que a natureza das coisas, é imutável.
Se a inteligência adere as opiniões falsas, se a vontade escolhe o mal e a ele se apega, nem uma nem outra atinge a sua perfeição, ambas decaem da sua dignidade nativa e se corrompem. Não é, pois, permitido dar a lume e expor aos olhos dos homens o que é contrário à virtude e à verdade, e muito menos ainda colocar essa licença sob a tutela e a proteção das leis. Não há senão um caminho para chegar ao céu, para o qual todos nós tendemos: é uma boa vida. O Estado afasta-se, pois, das regras e prescrições da natureza se favorece a licença das opiniões e das ações culposas ao ponto de se poderem impunemente desviar os espíritos da verdade e as almas da virtude.
39.
Quanto à Igreja, que o próprio Deus estabeleceu, excluí-la da vida pública, das leis, da educação da juventude, da sociedade doméstica, é um grande e pernicioso erro. Uma sociedade sem religião não pode ser bem regulada; e, mais talvez do que fora mister, já se vê o que vale em si e em suas conseqüências essa pretensa moral civil.
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[LIBERDADE RELIOSA CONDENADA COMO UM DIREITO CIVIL]
42. Essas doutrinas, que a razão humana reprova e têm uma influência tão considerável sobre a marcha das coisas públicas, os Pontífices romanos, Nossos predecessores, na plena consciência daquilo que deles reclamava o múnus apostólico, jamais sofreram fossem impunemente emitidas. Assim foi que, na sua Carta Encíclica “Mirari vos”, de 15 de agosto de 1832, Gregório XVI, com grande autoridade doutrinal, repeliu o que se avançava desde então, insto é,
que em matéria de religião não há escolha a fazer: que cada um depende apenas da própria consciência e pode, além disso, publicar o que pensa e tramar revoluções no Estado. A respeito da separação da Igreja do Estado, exprime-se nestes termos esse Pontífice: “Não podemos esperar para a Igreja e para o Estado resultados melhores das tendências dos que pretendem separar a Igreja do Estado e romper a concórdia mútua entre o sacerdócio e o império. É que, com efeito, os fautores de uma liberdade desenfreada temem essa concórdia, que sempre foi tão propícia e salutar aos interesses religiosos e civis”. Da mesma maneira, Pio IX, cada vez que se apresentou ensejo, condenou as falsas opiniões mais em voga, e que, em tal dilúvio de erros, os católicos tivessem uma direção segura.
43. Dessas decisões dos Sumos Pontífices, cumpre absolutamente admitir que a origem do poder público deve atribuir-se a Deus, e não à multidão; que o direito à rebelião repugna a razão;
que não fazer nenhum caso dos deveres da religião, ou tratar da mesma maneira as diferentes religiões, não é permitido nem aos indivíduos nem às sociedades; que a liberdade ilimitada de pensar e de emitir em público os próprios pensamentos de modo algum deve ser colocada entre os direitos dos cidadãos, nem entre as coisas dignas de favor e de proteção.
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[DIFERENÇA ENTRE TOLERÂNCIA E LIBERDADE RELIGIOSA]
46. Efetivamente, se a Igreja julga não ser lícito por os diversos cultos no mesmo pé legal que a verdadeira religião, nem por isso condena os chefes de Estado que, em vista de um bem a alcançar ou de um mal a impedir, toleram na prática que esses diversos cultos tenham cada um seu lugar no Estado.
47. É, aliás, costume da Igreja velar com o maior cuidado por que ninguém seja forçado a abraçar a fé católica contra sua vontade, porquanto, como observa sabiamente Santo Agostinho, “o homem não pode crer senão querendo” (tract. XXVI in Ioan., n. 2).
48.
Pela mesma razão, não pode a Igreja aprovar uma liberdade que gera o desgosto das mais santas leis de Deus e sacode a obediência devida à autoridade legítima. Isso é mais uma licença do que uma liberdade, e Santo Agostinho lhe chama mui justamente “uma liberdade de perdição” (Epist. CV, ad Donatistas, cap. II, n. 9) e o Apóstolo S. Pedro “um véu de maldade” (1 Ped 2, 16). Muito mais: sendo oposta à razão, essa pretensa liberdade é uma verdadeira escravidão. “Aquele que comete o pecado é escravo do pecado” (Jo 8, 34).
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[A NECESSIDADE DE OBEDECER AOS PONTÍFICES ROMANOS NESTA MATÉRIA]
52. Se, pois, nessas conjunturas difíceis os católicos Nos escutarem, como é seu dever, saberão exatamente quais são os deveres de cada um na “teoria” como na “prática”. Na teoria, primeiro, é necessário ater-se com decisão inabalável a tudo o que os Pontífices romanos têm ensinado ou ensinarem, e, todas as vezes que as circunstâncias o exigirem, fazer disso profissão pública.
Particularmente no que diz respeito às “liberdades modernas”, como lhes chamam, deve cada um ater-se ao julgamento da Sé Apostólica e conformar-se com suas decisões.* Cumpre resguardar-se de se deixar enganar pela honestidade especiosa dessas liberdades, e lembrar-se de que fontes elas emanam e por que espírito se propagam e se sustentam. A experiência já tem feito suficientemente conhecer os resultados que elas têm tido para a sociedade, e o quanto os frutos que elas têm dado inspiram com toda razão pesares aos homens funestos e prudentes. Se existe algures, ou pelo pensamento se imaginar um Estado que persiga disfarçada e tiranicamente o nome cristão, e se o confrontarmos com o gênero do governo moderno de que falamos, este último poderá parecer mais tolerável.
Certamente, os princípios em que este último se baseia são de tal natureza, como dissemos, que em si mesmo por ninguém devem ser aprovados.
[Aqui, mais uma vez, temos uma prova de que a Sé de São Pedro está vacante em nossos dias. De fato, o Papa afirma que ninguém pode aprovar um Estado constituído sob o princípio do direito indiscriminado à liberdade de culto e de expressão, pois tais liberdades ofendem a natureza humana e transgridem a lei divina. No entanto, o Vaticano II e seus papas afirmam exatamente que tais liberdades se fundamentam na razão, na Revelação e que são de grande vantagem ao próprio Estado. De fato, esta mesma Igreja Conciliar aprovou a adoção de tais liberdades nos países católicos. Ora, essas duas proposições sobre a liberdade religiosa não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo, com efeito, elas não são somente contraditórias, mas contrárias: uma nega categoricamente o que a outra afirma. É bastante óbvio, pois, que não só se tratam de Magistérios diferentes, mas de Magistérios rivais.]
[...]
[O PAPEL DO CRISTÃO NA POLÍTICA]
55. [...] Evidentemente é, pois, que os católicos têm justos motivos para participar da vida política; porquanto o fazem e o devem fazer não para aprovar aquilo que pode haver de censurável presentemente nas instituições políticas, mas para tirar dessas próprias instituições, tanto quanto possível, o bem público sincero e verdadeiro, propondo-se infundir em todas as veias do Estado, como uma seiva e um sangue reparador, a virtude e a influência da religião católica.
56. Assim foi nas primeiras idades da Igreja. Nada estava mais distanciado das máximas e costumes do Evangelho do que as máximas e costumes dos pagãos; viam-se, todavia, os cristãos, incorruptíveis em plena superstição e sempre semelhantes a si mesmos, entrarem corajosamente em toda parte onde se abria um acesso. De uma fidelidade exemplar para com os príncipes e de uma obediência às leis do Estado tão perfeita como lhes era lícito, eles lançavam de toda parte um maravilhoso brilho de santidade, esforçavam-se por ser úteis a seus irmãos e por atrair os outros a seguirem Nosso Senhor, dispostos entretanto a ceder o lugar e a morrer corajosamente se não pudessem, sem vulnerar a sua consciência, conservar as honras as magistraturas e os cargos militares. Desse modo, introduziram eles rapidamente as instituições cristãs não somente nos lares domésticos, mas nos acampamentos, na cúria, e até no palácio imperial. “Somos apenas de ontem, e já enchemos tudo o que é vosso, vossas cidades, vossas ilhas, vossas fortalezas, vossos municípios, vossos conciliábulos, vossos próprios acampamentos, as tribos, as decúrias, o palácio, o senado, o fórum” (Tertull., Apol., n. 37). Por isso, quando foi permitido professar publicamente o Evangelho, a fé cristã apareceu em grande número de cidades não em vagidos ainda, porém forte e já cheia de vigor.
57. Nos tempos em que estamos, há toda razão para renovar esses exemplos de nossos pais. Antes de tudo, é necessário que todos os católicos dignos deste nome se determinem a ser e mostrar-se filhos dedicados da Igreja; que repilam sem hesitar tudo o que seja incompatível com essa profissão; que se sirvam das instituições públicas, tanto quanto o puderem fazer em consciência, em proveito da verdade e da justiça;
que trabalhem para que a liberdade não exceda o limite traçado pela lei natural e divina; que tomem a peito reconduzir toda constituição pública a essa forma cristã que havemos proposto para modelo.
58. Não é coisa fácil determinar um modo único e certo para realizar esses dados, visto dever ele convir a lugares e a tempos mui dispares entre si.
Não obstante, cumpre antes de tudo conservar a concórdia das vontades e tender à uniformidade da ação. Obter-se-á seguramente esse duplo resultado se cada um tomar como regra de conduta as prescrições da Sé Apostólica e a obediência aos bispos, que “o Espírito Santo estabeleceu para reger a Igreja de Deus” (At 20, 28). A defesa do nome cristão reclama imperiosamente que o assentimento às doutrinas ensinadas pela Igreja seja da parte de todos unânime e constante, e, por este lado, cumpre resguardar-se ou de estar, no que quer que seja, de conivência com as falsas opiniões, ou de combatê-las mais molemente do que comporta a verdade. Quanto às coisas sobre que se pode discutir livremente, será lícito discutir com moderação e no intuito de procurar a verdade, mas pondo de lado as suspeitas injustas e as acusações recíprocas.
59. Para este fim, no medo de que a união dos espíritos seja destruída por acusações temerárias,
eis aqui o que todos devem admitir: a profissão íntegra da fé católica absolutamente incompatível com as opiniões que se aproximam do “racionalismo” e do “naturalismo”, e cujo capital é destruir completamente as instituições cristãs e estabelecer na sociedade a autoridade do homem em lugar da de Deus. Não é, tão pouco, permitido ter duas maneira de proceder: uma em particular e outra em público, de modo a respeitar a autoridade da Igreja ma vida privada e a rejeitá-la na vida pública; isso seria aliar juntos o bem e o mal e pôr o homem em luta consigo mesmo, quando, ao contrário, deve ele sempre ser coerente, e em nenhum gênero de vida ou de negócios afastar-se da virtude cristã. Mas se se tratar de questões puramente políticas, do melhor gênero de governo, de tal ou tal sistema de administração civil, divergências honestas são lícitas. A justiça não sobre, pois, que se criminem homens cuja piedade é aliás conhecida, e cuja mente é inteiramente disposta a aceitar docilmente as decisões da Santa Sé, por serem de opinião diferente sobre os pontos em questão. Injustiça muito maior ainda seria suspeitar-lhes a fé ou acusá-los de traí-la, como mais de uma vez o havemos lamentado. Seja esta lei uma imprescritível para os escritores e sobretudo para os jornalistas.
60. Numa luta em que os maiores interesses estão em jogo, não se deve deixar lugar algum às dissensões intestinas ou ao espírito de partido; mas, num acordo unânime dos espíritos e dos corações, todos devem perseguir o escopo comum, que é salvar os grandes interesses da religião e da sociedade. Se, pois, no passado, tiveram lugar alguns dissentimentos, cumpre sepultá-los num sincero esquecimento; se alguma temeridade, se alguma injustiça foi cometida, seja qual for o culpado, cumpre tudo reparar por uma caridade recíproca tudo redimir por um comum assalto de deferências para com a Santa Sé. Deste modo, obterão os católicos duas vantagens importantíssimas: a de ajudarem a Igreja a conservar e a propagar a doutrina cristã, e a de prestarem o serviço mais assinalado à sociedade, cuja salvação está fortemente comprometida pelas más doutrinas e pelas más paixões