Nota. Para que logo sejamos destros na arte da oração, consideremos o que a Igreja ensina sobre as disposições exteriores e interiores para bem rezar, assim como o que ela nos diz sobre o conteúdo e a frequência da oração.
C. DISPOSIÇÕES EXTERIORES E INTERIORES.
VII. Disposições Exteriores. Geralmente convém rezar de joelhos. Mas também podemos orar com reverência em pé ou sentados, ou mesmo andando, desde que o façamos com o devido recolhimento de espírito. Ao rezar devemos ter as mãos postas e os olhos fechados, ou baixos, ou levantados para o céu ou para um crucifixo ou uma imagem de um santo ou para o Santíssimo Sacramento. Olhar para aqui e para ali na oração não é bom. Um ambiente quieto, junto de um crucifixo ou alguma devota imagem, deve preferir-se, pois favorecem a oração, do mesmo modo, preferível é fazer as orações mais importantes, como a meditação, de manhã ao levantar-se, porque então se está mais sossegado e livre de distrações. Contudo, em todo tempo e lugar se pode orar com proveito, como nos mostram as vidas dos Padres do Deserto que rezavam e meditavam enquanto faziam cestos e de Santa Catarina de Sena, que impedida pelos pais de ocupar-se nas coisas da religião, fazia seus exercícios de piedade na cela do seu coração, enquanto arrumava a casa.
VIII. Disposições Interiores. A primeira e melhor disposição para tornar eficazes as nossas orações é estar em estado de graça ou, não o estando, ao menos desejar recuperar esse estado. Além disso, para bem rezar, requer-se especialmente que nossa oração seja feita com (1) recolhimento, (2) humildade, (3) confiança, (4) perseverança, (5) resignação e (6) em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.
1) Recolhimento é recordar que estamos falando com Deus; e, por isso, devemos orar com todo o respeito e devoção possíveis, evitando as distrações, isto é, qualquer pensamento estranho à oração. Isso é o que Nosso Senhor quer dizer quando nos manda fazer a oração no quarto a portas fechadas (cf. Mt 6,5ss). Por "quarto" devemos entender, nesta passagem, o coração do homem. No entanto, não basta só entrar nele, mas é preciso também fechá-lo, para que nos corações não possa insinuar-se alguma coisa de fora e violar a integridade da oração. Pois, se nos distraímos voluntariamente ou se não repelimos as distrações com diligência, os nossos méritos diminuem, como o daqueles hipócritas que, rezando, queriam ser vistos e honrados pelos homens. Mas se fazemos quanto podemos para estar recolhidos em Deus, então as distrações não diminuem o merecimento da nossa oração, mas até o podem aumentar. Para tanto, antes da oração, deve-se afastar todas as ocasiões de distração, e durante a oração pensar que estamos na presença de Deus, que nos vê e nos ouve.
2) Humildade é reconhecer sinceramente a nossa indignidade, incapacidade e miséria, acompanhando a oração com a compostura do corpo. Quem se aproxima de Deus, deve reconhecer que as suas faltas o tornam indigno, não só de pedir alguma coisa a Deus, como também de chegar à Sua presença para fazer oração. Essa foi a atitude do publicano que alcançou de Deus a justificação (Lc 18,9-14). As Sagradas Escrituras aludem muitas vezes a essa disposição, quando declaram: "[O Senhor] considerou a oração dos humildes, e não desprezou as suas súplicas." (Sl 101,18). E em outro lugar: "A oração do que se humilha penetrará as nuvens." (cf. Jd 9,16; Sl 17; 23; 27; 28; 29; Is 57,15).
3) Confiança é ter a firme esperança de ser atendidos, se daí provier a glória de Deus e o nosso verdadeiro bem. Por conseguinte, nada mais eficaz para obter de Deus o que pedimos do que a fé e a inabalável esperança de sermos atendidos. Assim também o aconselha São Tiago: "Peça com fé, e sem nenhuma hesitação." (Tg 1,6).
4) Perseverança é não cansar de orar, se Deus não nos atender imediatamente, senão continuar a orar ainda com mais fervor. A grande eficácia da oração perseverante, o Filho de Deus nô-la mostra pelo exemplo daquele juiz que, apesar de não temer nem a Deus nem aos homens, se deixou vencer pelos assíduos pedidos da viúva, e concedeu-lhe o que ela desejava (cf. Lc 18,2ss). Assim, não são para imitar os que rezam uma ou outra vez, e abandonam a oração se não alcançam logo o que pedem. Pois, na prática da oração, não deve haver esmorecimento, como nos ensina a autorizada doutrina de Nosso Senhor e dos Apóstolos (Lc 18,1ss; 11,10; Mt 15,22ss; Jo 13,13-14; 15,7-16; 16,23-24; 1Ts 5,17; Rm 8,26-27; 12,12; Hb 4,16; Tg 5,13; 1Jo 5,14). Se alguma vez arrefecer a nossa disposição de rezar, peçamos a Deus a graça da perseverança.
5) Resignação é se conformar com a vontade de Deus, que conhece melhor do que nós quanto nos é necessário para a nossa salvação eterna, e ainda no caso em que as nossas orações não fossem atendidas.
6) Em Nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, como Ele mesmo nos ensinou e como o pratica a Santa Igreja, que termina sempre as orações com as palavras: per Jesum Christum Dominum nostrum, isto é, por Jesus Cristo Senhor Nosso, ou de outro modo equivalente. Assim se deve pedir, pois é o mérito e valor da intercessão de Jesus Cristo que faz com que o Pai do Céu se digne atendê-las. São de Cristo aquelas palavras no Evangelho de São João: "Em verdade, em verdade vos digo: Se alguma coisa pedirdes ao Pai em Meu Nome, Ele vô-la dará. Até agora, nada pedistes em Meu Nome. Pedi, e recebereis, para que a vossa alegria seja completa." (Jo 16,23-24). E em outro lugar: "Tudo o que pedirdes ao Pai em Meu Nome, eu vô-lo farei." (Jo 14,13). Também é por meio de Nosso Senhor Jesus Cristo que os Santos intercedem por nós, pois os Santos são nossos intercessores tanto na qualidade de membros de Jesus Cristo, como ramos unidos à videira, quanto na de nossos irmãos maiores em Cristo, cuja vida exemplar é muito valiosa aos olhos de Nosso Senhor. De fato, a Sagrada Escritura nos mostra com que diligência e caridade os Santos rogam por nós por meio de Nosso Senhor, representando suas preces como taças de perfume postas diante do Cordeiro de Deus (cf. Ap 5,8).
IX. Quanto à qualidade de nossas orações, São Bernardo teve a seguinte visão: Muitas pessoas estavam rezando, e os anjos escreviam as suas orações, para as depor diante do trono de Deus e guardar até o dia do Juízo. Alguns rezavam com muito respeito, atenção e perseverança. Os anjos então escreviam estas orações com letras de ouro. Outros rezavam da mesma maneira, mas às vezes interrompiam às suas orações com pequenos descuidos. Os anjos as escreviam então com letras de prata. Outros ainda rezavam com boa intenção, mas com muito descuido e distração. As orações destes foram escritas a tinta. Havia alguns que rezavam só com a boca, sem pensar em Deus ou em coisas da religião. Estas orações eram anotadas com água. E as orações daqueles que estavam em pecado mortal, os anjos nem as escreviam; pois estas orações não têm valor para o céu.
D. CONTEÚDO E FREQUÊNCIA DA ORAÇÃO.
X. Direta ou indiretamente, o objeto de nossas orações sempre deve ser a glória de Deus e a salvação de nossa alma. Em nossa prece, pois, devemos adorá-lo com a homenagem de nossa reverência e submissão; render-lhe graças pelos benefícios gerais e particulares concedidos; pedir-lhe aquilo que precisamos, sobretudo a graça divina e o perdão dos pecados. É também lícito pedir a Deus bens temporais, sempre com a condição de que sejam conforme à sua santíssima vontade, e não sejam obstáculos à nossa salvação eterna.
XI. Além disso, à exemplo de Nosso Senhor, devemos orar por todos, isto é, não somente por nós mesmos, mas também pelos nossos parentes, superiores, benfeitores, amigos e inimigos; pela conversão dos pobres pecadores, daqueles que estão fora da Igreja e pelas benditas almas do Purgatório.
XII. Também devemos orar em todo tempo, isto é, lembrar-se de Deus durante todo o dia, especialmente pela manhã e à noite, antes e depois das refeições, nos perigos e tentações e, de tempos em tempos, durante o trabalho ou nos mesmos divertimentos, elevar a Deus breves e fervorosas preces, na forma de jaculatórias tais como Jesus e Maria, dou-vos o meu coração e a minha alma; Sagrado Coração de Jesus, tende piedade de nós; Doce Coração de Maria, sede a nossa salvação etc.