A questão do Papa Herético segundo São Roberto Belarmino

ESQUEMA DA AULA

  • Noções preliminares sobre o texto.
    • A doutrina de São Roberto Belarmino sobre o Papa herético repousa no que foi dito até aqui sobre a Igreja. Quando ele chega ao livro II, capítulo 30 de seu tratado sobre o Romano Pontífice, ele já explicou o que é um membro da Igreja, por que hereges não são seus membros, qual a diferença entre  hereges ocultos e manifestos, porque os hereges devem ser evitados. Todas essas coisas são importantes para bem compreender a posição deste Santo Doutor.
    • Ele trata sobretudo da opinião de Caetano que afirma que um papa não é deposto de seu cargo automaticamente, mas que deve ser deposto pela Igreja. Segundo São Roberto Belarmino esta posição não se sustenta, pois é provado por autoridade e razão que um herege manifesto perde seu cargo automaticamente.
  • Exame das opiniões existentes sobre a matéria.
    • Segundo Belarmino (De Rom. Pont., II, c. 30) existem cinco opiniões sobre a deposição de um papa herético.
    • I. O Papa não pode cair em heresia (Alberto Pighi). Pia e provável, mas não é certa e comum.
    • II. O Papa pode cair em heresia ainda que esta seja oculta (Torquemada). Falsa suposição por dois motivos: não é possível ao homem julgar um herege oculto e nem é verdade que os hereges ocultos estejam separados do corpo da Igreja, na verdade, eles permanecem como membros dela.
    • III. O Papa não perde seu poder automaticamente nem mesmo em caso de heresia manifesta. Extremamente improvável, pois os cânones afirmam que o papa herético pode ser julgado pela Igreja e, ademais, seria péssimo ter que reconhecer como pastor um lobo que age manifestamente.
    • IV. O Papa não perde automaticamente seu posto em caso de heresia manifesta, mas deve sê-lo mediante uma sentença declaratória por parte da Igreja, pois ele permanece unido a Igreja em certo sentido (Caetano). Opinião indefensável, pois se baseia em duas premissas falsas.
    • I. Premissa. O Papa não é deposto automaticamente em caso de hereia.
      • Argumento de Autoridade. Segundo São Paulo (Tito c. 3): o herege deve ser evitado após a segunda advertência, isto é, sem a necessidade de qualquer declaração. Segundo São Jerônimo, comentando esta passagem, assim é porque outros pecadores são excomungados pela Igreja, mas o herege abandona a Igreja por conta própria, separando a si mesmo dela. Mas um Papa que cai em heresia, mas ainda assim continua sendo cabeça da Igreja, não pode ser evitado pela Igreja, pois como poderemos evitar a nossa cabeça? Logo, claro é que o herege cessa de ser Papa.
      • Argumento de razão. Aquele que não faz parte do corpo não pode ser sua cabeça. Ora, o herege manifesto não faz parte do corpo da Igreja, logo ele não pode ser sua cabeça.
      • Objeção de Caetano. O herege permanece Papa não simpliciter (simplesmente), mas secundum quid (relativamente), pois embora não seja membro pela fé, permanece unido a Igreja pelo batismo. Mesmo assim, ele deve ser deposto, pois ele é um membro à beira da morte.
      • Refutação de Belarmino. Primeiro, se assim fosse, o herege jamais poderia ser removido da Igreja, pois o caráter batismal é indelével. Todavia, o caráter não significa que alguém pertence a Igreja em ato, mas apenas em potência. Com efeito, o caráter serve para indicar de onde veio a ovelha e para onde ela deve retornar, ele não impede que a ovelha suba aos montes, apartando-se do redil. Esta verdade é confirmada por São Tomás (Summ. Theol. III, q. 8, a. 3), segundo o qual quem não tem a fé não está unido em ato a Cristo. Segundo, se a falta de fé com o batismo é uma disposição parcial, então ela pode ser necessária para formar um Papa ou somente para formar um bom Papa. Então, das duas uma: ou ela é suficiente e não há razão alguma para deposição, ou ela é insuficiente e, portanto, ele já não é Papa por este mesmo fato.
      • Objeção de Caetano. A fé é uma disposição simplesmente, mas como permanece o caráter quando ela está ausente, o homem ainda continua Papa em consideração da existência desta parte.
      • Refutação de Belarmino. A falta da parte ou compromete a unidade do composto ou não. Se sim, então o Papa deixa de ser Papa pela falta de uma disposição necessária, caso contrário, a fata da fé somente o impede de ser um bom Papa. Ora, tal defeito não pode ser causa de deposição. Além disso, os Santos Padres ensinam unanimemente não só que hereges estão fora da Igreja, mas também que estão privados ipso facto de toda jurisdição e dignidade eclesiástica. Inclusive São Tomás afirma (Summ. Theol. II-II, q. 39, a 3) que os hereges e cismáticos perdem imediatamente toda a jurisdição, e que qualquer coisa que eles tentem fazer com base nela é nula.
    • II. Parte. A Igreja pode depor o Papa.
      • Caetano. Ao depor o Papa, a Igreja não exerce autoridade sobre o Papa, mas apenas separa a pessoa do pontificado, da mesma forma que na eleição une a pessoa ao pontificado.
      • Refutação de Belarmino. Primeiro, o ato de deposição é entendido como um ato de um superior, com efeito, o Papa separa o bispo do seu episcopado quando depõe um bispo e isto é entendido como ser superior aos bispos. Segundo, deposição contra a própria vontade é um castigo e castigar é próprio do superior e do juiz. Terceiro, como o conjunto das partes equivale ao todo, a autoridade sobre as partes é a mesma sobre o todo, logo ou está o Papa acima da Igreja ou está a Igreja acima do Papa. Além disso, o exemplo não se aplica, pois geração e destruição são processos diferentes. A primeira envolve agir sobre a matéria da coisa futura (a pessoa que será Papa) ao passo que a destruição envolve a coisa mesma, composta já de matéria e forma (o Papa propriamente dito). Neste último caso, os cardeais ou um concílio exerceriam autoridade sobre o Papa, o que constitui um ato ilegítimo.
      • Conclusão. Não é verdade nem que o Papa herético se mantenha no cargo, nem que a Igreja tenha o direito de emitir uma declaração contra ele.
    • V. O Papa perde automaticamente seu posto em caso de heresia manifesta (opinião comum).
      • “Portanto, a quinta opinião é a verdadeira. É manifesto que o papa herege cessa por si de ser papa e cabeça, assim como por si cessa de ser cristão e membro do corpo da Igreja, razão pela qual a Igreja pode julgá-lo e puni-lo. Esta é a sentença de todos os antigos Padres, que ensinam que os hereges manifestos perdem imediatamente toda jurisdição, e nomeadamente Cipriano na no livro 4, Epístola 2, onde assim fala sobre Novaciano, que foi papa no cisma com Cornélio: Não pode possuir o episcopado, diz, e se já era bispo, foi removido do corpo dos outros bispos e da unidade da Igreja. Ele afirma que Novaciano, ainda que tivesse sido papa verdadeiro e legítimo, se todavia se tivesse separado da Igreja, teria por isto mesmo caído do pontificado.”
      • O fundamento desta sentença é que o herege manifesto de nenhum modo é membro da Igreja, nem pela união interna, nem pela externa. Pois mesmo os maus católicos estão unidos e são membros internos pela fé e externos pela profissão da fé e comunhão nos sacramentos. Por outro lado, os hereges ocultos estão unidos só externamente; enquanto os hereges manifestos de nenhum modo permanecem como membros, como já se provou.
  • Conclusão. A opinião de Belarmino é a opinião da Igreja. Eis o cânon 188 do Código de Direito Canônico de 1917: “Em razão de renúncia tácita aceita pelo mesmo direito, cai automaticamente e sem nenhuma declaração, de qualquer cargo, o clérigo que: (…) §4 abandona publicamente a fé católica. / Ob tacitam renuntiationem ab ipso iure admissam quaelibet officia vacant ipso facto et sine ulla declaratione, si clericus: (..) 4º A fide catholica publice defecerit.”

MATERIAL COMPLEMENTAR

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